Bandeira do governo Leite, escolas enfrentam dificuldades para implementar educação em tempo integral


Em 2014, o Plano Nacional da Educação (PNE), lançado durante o governo de Dilma Rousseff (PT), estabeleceu 20 metas a serem cumpridas em um prazo de dez anos, a fim de melhorar o acesso, os investimentos e a qualidade na educação pública brasileira. Entre elas, o plano visava oferecer educação em tempo integral com, no mínimo, sete horas diárias, em pelo menos 50% das escolas da rede pública. 

Dez anos depois, o Rio Grande do Sul permanece na penúltima colocação entre os estados brasileiros a oferecer o ensino em tempo integral. Para se ter ideia, em 2023, apenas 6,5% dos estudantes do estado estavam matriculados nessa modalidade de ensino. 

Em 2022, somente 18 instituições do Rio Grande do Sul ofereciam esta modalidade, ou seja, 4% das instituições estaduais. Tentando correr contra o tempo, o governador Eduardo Leite (PSDB) estipulou que, entre os anos de 2023 e 2026, a meta estabelecida pelo PNE será batida no RS, que deverá ter 550 escolas funcionando com turno integral até o fim deste prazo. Apesar disso, o programa adotado pela Secretaria da Educação (Seduc) não leva em consideração uma série de fatores, como infraestrutura, quadro de servidoras(es) e a valorização salarial, que são cruciais para tornar isso uma realidade, aparentando limitar-se à ampliação do tempo de permanência dos alunos(as) nas escolas. 

Vale ressaltar que, para as escolas se tornarem de turno integral, precisam antes preencher uma série de requisitos. Primeiro, é necessário que tenham Ensino Médio diurno, em um prédio próprio, com cozinha, refeitório e espaços adequados para receber essas turmas. A escola também não pode ser a única a oferecer o Ensino Médio no município, o que faz com que dezenas de cidades do interior não estejam aptas a receber essa modalidade. 

“O governo Leite está implementando no estado muitas escolas de ensino em tempo integral sem uma política de diálogo profundo com os estudantes e as famílias, e isso ignora um fator importante: muitos alunos têm um comprometimento grande com o trabalho para ajudar no sustento das famílias”, elucida a tesoureira-geral e representante da Comissão de Educação do CPERS, Rosane Zan. “Isso tem provocado evasão e total desigualdade, porque ficam na escola os que têm mais condições de permanência”, completa. 

Dados revelados pelo Censo Escolar de 2023 e outros que podem ser extraídos de estudos do IBGE, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), revelam que, em 2023, 49 mil jovens gaúchos(as), entre 14 e 18 anos, estavam fora da escola e não haviam concluído o Ensino Médio.

As escolas de turno integral, na verdade, não implicam que essas instituições tenham como concepção uma formação integral do indivíduo, como explica o doutor e pesquisador na área da Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mateus Saraiva. “A formação integral do indivíduo compreende que tu vais assumir a totalidade do fato social como compromisso, para a tua compreensão de um determinado fenômeno”, defende. 

“A educação integral pressupõe que tu vais compreender a totalidade do fenômeno, do fato que está ali em questão, para construir o teu conhecimento. Por isso os modelos dos Institutos Federais são modelos de excelência, porque eles aprendem um saber técnico, mas ao mesmo tempo têm aula de Sociologia, de Filosofia, e por isso conseguem pensar sobre aquele tema. Essa é a formação integral. E ela não precisa ser feita em tempo integral, ela pode ser feita em tempo parcial”, explica o pesquisador. 

Entre os desafios enfrentados a curto e médio prazo para a implementação dessa modalidade estão a falta de professoras(es) e funcionárias(os) qualificados para as novas demandas; a necessidade de contratação de novos profissionais e aumento na carga horária de docentes; as estruturas, muitas vezes precárias, das instituições; a evasão escolar; além da ausência de espaços como cozinhas e refeitórios, essenciais para que os estudantes e trabalhadores da educação possam fazer todas as refeições do dia. 

Na última terça-feira (12), o Senado aprovou o projeto de lei que estabelece diretrizes para a implementação do ensino em tempo integral na educação básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) nas escolas públicas do país. O PLS 756/2015 estabelece as seguintes diretrizes para a nova modalidade de ensino: a inclusão de temas transversais e extracurriculares; o atendimento psicológico e de assistência social aos alunos(as); infraestrutura escolar adequada; acesso à internet; formação dos profissionais da educação. De acordo com o texto, os projetos de educação integral poderão ser desenvolvidos por meio de convênios com instituições de ensino superior públicas ou privadas.

Através de uma nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) defende que “caso o projeto mantenha a possibilidade de duplas ou até triplas jornadas de trabalho aos professores das escolas em tempo integral, as instituições continuarão com dificuldades para atender aos pressupostos de qualidade que a sociedade almeja”.

O dobro de carga horária demanda infraestrutura adequada

Para que uma escola seja considerada de turno integral, é necessário que ela ofereça, no mínimo, sete horas de carga horária diária, de segunda a sexta-feira. Alguns estados brasileiros chegam a oferecer até dez horas diárias, mas, inicialmente, o Rio Grande do Sul planeja ofertar a carga mínima. 

Apesar disso, não basta implementar a mudança. Essa carga horária extra só será possível com estrutura e condições para que essas escolas se transformem efetivamente em instituições de tempo integral. O novo modelo demanda pontos materiais e quadro de pessoal que, por consequência, precisará aumentar a própria carga horária, ou que novos profissionais sejam contratados para assumir essas funções. Além disso, é necessário que se tenha espaços como refeitório, cozinha e laboratórios, que também contemplem as demandas das novas disciplinas oferecidas pelo Novo Ensino Médio (NEM). 

“É preciso ter recursos e ambientes adequados a um contraturno, porque é muito difícil manter os alunos em um ambiente escolar sem ter uma estrutura suficientemente adequada com recursos”, detalha Mateus Saraiva. “O que eu quero dizer com isso? É uma quadra, preferencialmente coberta, que tu tenhas bolas em condição, um laboratório, uma sala de cinema com recursos multi visuais… Que essa escola não seja a mesma escola, não seja um sentado atrás do outro nos dois turnos”. 

Além disso, o pesquisador aponta a necessidade de aumento de carga horária dos profissionais, considerando que será necessário ter, pelo menos, o dobro de estrutura nessas instituições. “Os alunos não vão ocupar a infraestrutura em um turno só, vão ocupar em dois, por isso a gente precisa ter refeitórios adequados, por exemplo”, explica. 

Na EEEF Herlita Silveira Teixeira, localizada em Cidreira, no litoral gaúcho, a modalidade de ensino em turno integral foi implementada em 2022, ainda no início do programa do governo Eduardo Leite (PSDB). Dois anos depois, a instituição ainda carece de condições e infraestrutura.

“Nossa escola possui um espaço físico amplo que atenderia o turno integral, mas também tem uma infraestrutura precária”, conta Luciana Pacheco, funcionária da escola na área da alimentação. “Falo da cozinha, aqui faltam muitos equipamentos e equipamentos básicos do dia a dia. A escola, como eu disse, é muito grande para poucos funcionários. Nós passamos a oferecer quatro refeições e, desde o início, sempre com falta de funcionários”, completa.

Luciana explica que a contratação de pessoas terceirizadas ajudou as funcionárias com a alta demanda da escola, mas o atraso nos pagamentos, como no início de 2024, faziam com que as contratadas ficassem com sobrecarga de trabalho. “Nós tínhamos seis funcionários na cozinha e, hoje, nós estamos com apenas três, e eu estou licenciada, porque eu não tive condições físicas e nem mentais de permanecer”, desabafa.

Como implementar turno integral se não há quadro de pessoal suficiente nem mesmo para a modalidade parcial? 

A falta de funcionárias(os) não é um problema exclusivo da EEEF Herlita Silveira Teixeira. Na verdade, dados preliminares do Radar do CPERS sobre a situação das escolas estaduais revelam a falta de quase 500 servidoras(es), que atuam em áreas como merenda, manutenção, administrativo e limpeza, em 307 escolas que responderam à pesquisa. 

Esse cenário, no entanto, não é novidade para o Sindicato, que há anos denuncia que a crescente desvalorização desta parcela da categoria – que sofre com os menores salários entre os servidores(as) estaduais –, provocaria uma diminuição do interesse na área. Além do arrocho salarial sem precedentes, com um salário básico de R$ 657,97, atualmente, cerca de 75% dos agentes educacionais ganham abaixo do piso regional e, em sua maioria, não recebem reajuste real há quase 10 anos, já que o aumento é abatido do completivo.

Como política do CPERS, o Sindicato tem realizado diversas visitas em escolas de todo o Rio Grande do Sul, a fim de dialogar com professoras(es) e funcionárias(os) sobre a situação da educação no estado. Na última semana, a diretora do Departamento de Funcionárias(os) de Escola do CPERS, Juçara Borges, se deslocou para o litoral gaúcho e, infelizmente, ouviu diversos relatos sobre as condições desesperadoras que essas(es) profissionais se encontram.

“Em todas as escolas constatamos a revolta por conta da estrutura e da alimentação, além da falta de funcionárias(os). Eles estão tendo uma sobrecarga de trabalho dentro dessas escolas e a falta de servidores é geral aqui no litoral”, relata.

Mas o apagão de funcionárias(os) não se estende somente àqueles que trabalham na limpeza, merenda, manutenção e administração, por exemplo. Esse cenário engloba também as(os) docentes que trabalham dentro da sala de aula. A própria Secretaria de Educação do RS (Seduc) já admitiu, através de estudos elaborados pelo governo do Estado, que o déficit para 2030 será de cerca de 14 mil docentes na rede estadual de ensino. O principal motivo para esse cenário é o desinteresse pela carreira de educador(a). 

“É preciso ter quadro de pessoal, suficiente e adequado, e a gente não tem. A gente não tem nem para o turno parcial, nem para o turno integral”, constata Mateus Saraiva.

Com a implementação do ensino em turno integral, muitas(os) docentes acabam precisando aumentar as suas cargas horárias nas escolas, de 20 horas para 40 horas. Mas, por conta da desvalorização do salário, muitos não querem fazer esse aumento, porque acabam exercendo outras atividades profissionais para complementar a renda, como, por exemplo, lecionar em escolas municipais ou na rede particular, já que permanecer 40 horas na rede estadual não vale a pena financeiramente. 

“A gente não tem um investimento em infraestrutura e pessoal nem próximo daquilo que seria necessário para isso. A grande bandeira do governo Leite tem sido o Ensino Médio, e eu nem estou pensando no Ensino Fundamental, porque nesse caso é menos ainda o movimento do governo estadual”, explica o pesquisador.

Na escola em que Luciana Pacheco trabalha, em Cidreira, a funcionária relata que o número de alunos(as) praticamente dobrou de 2023 para 2024. Como consequência, a demanda alimentar também aumentou, exigindo uma quantidade ainda maior de comida a ser preparada por apenas três funcionárias. “Até se tem os produtos para fazer, mas não tem gente que possa fazer. As pessoas que estão ali dentro da escola estão adoecendo”, conta.

A formação reducionista incrementada pelo Novo Ensino Médio, somada à implementação do turno integral sem a estrutura necessária, mostra mais uma vez a importância da valorização do trabalho das(os) educadoras(es) para além do reajuste salarial, passando também pelo reconhecimento da profissão e a sua importância como canalizador social. 

“A saída é fazer uma escuta e uma construção coletiva, a partir de um diálogo muito profundo com a comunidade escolar, tentando atribuir sentido e articulação com outras políticas”, defende a tesoureira-geral do CPERS, Rosane Zan. 

Para o pesquisador da UFRGS, Mateus Saraiva, a implementação desse novo sistema deve passar obrigatoriamente por uma melhor remuneração, assim como um melhor plano de carreira. “As pessoas vão trabalhar onde é mais satisfatório em termos de tempo e recurso, onde o plano de carreira tem uma possibilidade de prosseguimento de estudo”, conclui. 

“O turno integral hoje só é bonito no papel, porque na realidade quem está lá realmente todo dia sabe que não está funcionando”, lamenta a funcionária Luciana Pacheco, que trabalha na EEEF Herlita Silveira Teixeira na área da alimentação, mas que está afastada por questões de saúde.

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