Em nota publicada em 22.02.21, a CNTE denunciou o oportunismo e a chantagem do governo Bolsonaro, que se utilizou da calamidade pública e da miséria instalada no país em decorrência do crescente desemprego e da crise sanitária em descontrole (situações que exigem ampliar o pagamento do auxílio emergencial para os setores vulneráveis da sociedade), a fim de aprovar medidas de arrocho fiscal que comprometerão a oferta dos serviços públicos essenciais à população e a valorização dos/as servidores/as públicos/as por tempo indeterminado.
Ou seja: o governo utiliza uma situação emergencial para fazer ajustes fiscais ad aeternum.
Frise-se ainda a opção imoral do governo em tratar o tema do equilíbrio fiscal apenas pelo lado das despesas sociais, aumentando os lucros de acionistas da dívida e dos mais ricos do país que continuam contribuindo irrisoriamente com o regime tributário nacional.
Pior: além de não pagar impostos, os mais ricos sonegam tributos e contribuem para ampliar a miséria nacional. E Bolsonaro e o banqueiro Paulo Guedes fazem questão de manter essas benesses às sanguessugas de nossa sociedade.
A PEC 186, aprovada essa madrugada em segundo turno na Câmara Federal, traz muitos prejuízos para a nação, além de não atender adequadamente a situação de vulnerabilidade de quase 70 milhões de brasileiros durante a pandemia do coronavírus.
Enquanto países como Inglaterra, EUA e outros destinam auxílios emergenciais entre R$ 3.000,00 e R$ 8.000,00 às famílias mais afetadas com a crise pandêmica, no Brasil, a média do pagamento do auxílio será de R$ 250,00, por apenas quatro meses (total de R$ 1.000,00) para cerca de 30 milhões de pessoas (apenas 42,8% do público que realmente necessita do auxílio).
Em troca da quase esmola do auxílio emergencial, o país terá que adotar severas medidas de austeridade, além das já implementadas pela Emenda Constitucional 95 e pelas Leis Complementares 101 (LRF) e 173 (ajuste fiscal).
Outras estão a caminho, tanto através da PEC 32/20 (reforma administrativa) como de uma lei complementar que o governo federal deverá propor ao Congresso nos próximos 180 dias, a fim de regulamentar novas medidas para o pagamento da dívida pública, inclusive com outros gatilhos para as contas públicas.
A situação de arrocho e caos imposta pela PEC 186 só não foi pior, porque a mobilização da sociedade conseguiu retirar do texto a pretensão do Governo Bolsonaro de desvincular 100% os recursos da educação e da saúde, além dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal, também destinados a essas duas políticas públicas. Mas a PEC traz outros muitos prejuízos!
Mais uma vez, o funcionalismo público foi o alvo central das medidas de austeridade, e muitas outras “granadas” (no dizer do ministro (sic) Paulo Guedes) foram colocadas no bolso dos/as servidores/as, que poderão ficar sem reajustes salariais por tempo indeterminado.
É que a referida PEC impede várias políticas de valorização e de ampliação dos quadros efetivos da administração pública sempre que a despesa primária de cada ente federativo (União, Estados, DF e Municípios) alcançar 95% das receitas.
As contratações de temporários não serão impedidas e poderão ocorrer mesmo com os gatilhos acionados, corroborando a estratégia do Governo de enxugar os servidores efetivos com a reforma Administrativa.
Para piora, as aposentadorias e pensões dos servidores das Câmaras de Vereadores e as pensões pagas pelos Executivos serão contabilizadas nas despesas primárias, fatos que não ocorriam antes. E isso inchará as despesas e precipitará os ajustes por períodos indefinidos.
No caso dos estados, os referidos gatilhos poderão ser acionados a partir de 85% da relação despesa/receita, por ato do chefe do executivo, com posterior apreciação da assembleia Legislativa em até 180 dias.
Caso a Casa parlamentar não aprove esse gatilho precoce, ou se o percentual da despesa baixar de 85% durante o período da tramitação do projeto de lei, o Governo não será obrigado a rever os atos já efetivados! Verdadeiro sequestro de direitos dos servidores públicos!
Para que as medidas absurdas de austeridade contra os servidores não fossem totalmente retiradas do texto, o Governo cedeu dois pontos que permitem contar as progressões e as promoções de servidores, mesmo durante os períodos de ajuste fiscal definidos no novel art. 167-A da Constituição Federal. Mas, de resto, os prejuízos serão enormes.
Veja na tabela abaixo os percentuais de despesas e receitas correntes dos estados (ano 2020), para fins de acionamento dos gatilhos que impedirão reajustes e outras medidas de valorização das carreiras profissionais.
Os estados do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Minas Gerais já extrapolaram o patamar de 95%. E AC. AM, BA, CE, DF, GO, MA, PA, PB, PR, PE, RJ, SC, SE e TO estão acima de 85%! Somente 9 unidades da federação estariam, por enquanto, fora dos limites de imposição dos gatilhos fiscais. Nos municípios a situação é igualmente dramática.
Confira, na sequência, as vedações impostas pelo gatilho fiscal da PEC 186:
- Concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder, servidores civis e militares, e empregados públicos, ressalvados os casos derivados de sentença judicial e de determinação legal anterior ao início da aplicação dos gatilhos. Excetuam-se progressões e promoções (art. 167-A, I, “a”)
- Criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa. (art. 167-A, I, “b”)
- Alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa (art. 167-A, I, “c”)
- Admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, e a contratação temporária em caso de necessidade de excepcional interesse público. (art. 167-A, I, “d”)
- Realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias. (art. 167-A, I, “e”)
- Criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores, empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes. (art. 167-A, I, “f”)
- Criação de despesa obrigatória. (art. 167-A, I, “g”)
- Adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a manutenção da correção do salário mínimo. (art. 167-A, I, “h”)
- Criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções. (art. 167-A, I, “i”)
- Concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária. (art. 167-A, I, “j”)
A CNTE e seus sindicatos filiados repudiam mais essa medida sorrateira do Governo Bolsonaro e do Congresso Nacional, que caminha na contramão do que o Brasil precisa para superar a crise econômica, social e pandêmica que vivemos.
É inadmissível que os políticos do país, em sua maioria apartados das aflições e necessidades que passam o povo brasileiro, se sintam no direito de promover mais arrocho e desassistência à população.
Os trabalhadores e as trabalhadoras em educação se solidarizam com o povo brasileiro e com os servidores públicos das três esferas, de modo que continuarão na luta pela reversão dessas justiças impostas por quem não tem compromisso com o bem-estar social e as vidas que se perdem dia a dia por omissão e descaso dos gestores públicos, especialmente do Presidente da República em exercício.
Brasília, 12 de março de 2021
Diretoria da CNTE
Foto de capa: Cleia Viana/Câmara dos Deputados