“Sou mãe, chefe da minha família, e agora? É com este valor que pago meu aluguel. Gasto 400 reais só de gasolina. Mesmo se eu for de ônibus, não vai dar. O que vou ganhar não paga as passagens, o tempo, a distância”. O desabafo é da professora Silvana de Souza, que dá aulas de Ciências e Biologia no CE Ildo Meneghetti, extremo sul da capital.
Ela e seus colegas da escola perderão cerca de R$ 800 no contracheque caso as mudanças impostas pelo governo Eduardo Leite (PSDB) no difícil acesso se concretizem.
Entre segunda e terça-feira (14), direções foram surpreendidas por ordens das mantenedoras para o preenchimento, em muitos casos em menos de 24 horas, de formulários com informações detalhadas para efetivar a alteração do adicional, que muda de nomenclatura para “local de exercício”.
O reenquadramento dos critérios e valores está previsto desde a aprovação do novo Plano de Carreira do Magistério, mas sua imposição em meio à quarentena, da noite para o dia e sem qualquer diálogo deixou atônita a categoria.
O critério com maior peso na composição do adicional, por exemplo, é o da distância da escola à Prefeitura, que soma 40%. Apenas receberão 100% deste valor as instituições distantes a 50 km ou mais sede municipal. Em Porto Alegre nenhuma escola atende ao critério.
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Não está claro quanto o Estado pretende economizar, mas o CPERS recebeu inúmeros depoimentos de direções e educadores(as) em desespero com o volume da perda.
“Nossos funcionários ganham R$ 350,00 de difícil acesso e passarão a receber R$ 240,00. Os professores recebem R$ 1.080,00 e terão a redução para R$ 240,00”, preocupa-se Ana Maria Guimarães, diretora do Ildo Meneghetti, que possui 84 profissionais.
Ana também se indigna com o método utilizado pelo governo para pressionar as direções. “O que estão pedindo é um absurdo, fora da realidade das escolas. No transporte pedem dados de trafegabilidade. É um termo muito amplo, pois depende do trajeto, do trânsito”, expõe.
Ela se refere à exigência da mantenedora por uma declaração de empresas de transporte de ônibus, informando que os horários das linhas são incompatíveis com a localização dos estabelecimentos.
Conforme orientação da Seduc, aqueles que não conseguirem os documentos solicitados devem assinar e se responsabilizar pelas informações fornecidas. “São questões que influenciam direta na vida dos educadores. É uma imensa responsabilidade que jogam nas nossas costas e em menos de 24 horas precisamos fazer o que o governo quer”, pondera Ana.
Outro critério, o de vulnerabilidade social, passa a ter como referência a porcentagem de famílias que recebem o bolsa-família. Mas desconsidera, por exemplo, a periculosidade do local de trabalho e as condições de segurança.
Klymeia Mendonça Nobre, vice-diretora da escola José do Patrocínio, na Restinga Velha, salienta que a comunidade é tão vulnerável que muitos sequer conseguem ter acesso a programas de assistência social: “em nossa escola tem muitos alunos que não recebem esse auxílio e que vivem em condições de miséria. Isso não está sendo considerado. A questão social ficou de fora”.
Hoje a escola possui 80% de difícil acesso no turno do dia e 100% no turno da noite e está localizada em uma zona considerada de risco. Tráfico e tiroteios fazem parte do dia a dia da região.
“Não consideraram o quanto é complicado um educador vir pra cá, colocando sua própria vida em risco, e não receber o mínimo em troca. Os diretores estão atônitos, angustiados com o impacto econômico nos salários dos educadores. Não haverá profissionais que aceitem vir trabalhar aqui”, atenta.
A mudança, aliada à continuidade dos descontos da greve, aprofundará a miséria da categoria, que além dos salários atrasados há mais de 50 meses, ainda sofre com os descontos da greve.
“No próximo salário teremos a redução do difícil acesso e o desconto injusto dos dias de greve, mesmo tendo feito a recuperação em janeiro”, aflige-se a professora de espanhol do Ildo Meneghetti, Patricia Mezzoca.
CPERS exige suspensão do reenquadramento do difícil acesso
Em ofício enviado à Seduc na manhã desta quarta-feira (15), o CPERS solicitou a suspensão imediata do reenquadramento do difícil acesso, respeito à representação sindical e o fim da pressão sobre direções escolares e a categoria.
“Reiteramos que a posição é agressiva e autoritária tanto em relação ao conteúdo quanto em relação ao prazo exíguo de exigência para as informações. Este tipo de movimento leva a crer que o governo se aproveita da pandemia para impor um retrocesso ainda maior nas condições de trabalho, na retirada de recursos no contracheque dos educadores e, consequentemente, na qualidade da educação”, afirma o documento.
Em resposta enviada por e-mail ao sindicato, o diretor geral da Seduc, Paulo Magalhães afirmou que a secretaria está cumprindo com os prazos determinados pela Lei Estadual 15.451/2020.