Instituído pelo Ministério da Educação (MEC), com apoio do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (Consed), o Dia D para estudo e discussão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio foi um fracasso. De acordo com professores, o debate previsto a partir de um vídeo produzido pelo governo ocorreu em algumas escolas, para dar um verniz de legitimidade à sua proposta, mas não se realizou na maioria das escolas. Em grande parte delas – e nas redes sociais – o BNCC foi alvo de protestos.
“Teve mais propaganda do que ação. A maioria das escolas não parou para ler e discutir. Teve sistema estadual que fez seminário fechado para os que trabalham dentro da Secretaria de Educação poder opinar, algo bem restrito. E teve escola que não reuniu a equipe, não discutiu, mas colocou os professores para responder os formulários do Consed pela internet”, avaliou o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo. “O Brasil é um país continental e diverso, eles (o governo) precisam aprender que as coisas não funcionam assim, apenas por um comando de Brasília. Um abuso e um golpe este dia D que eles inventaram”.
Vergonha
Na avaliação do presidente em exercício do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), Fábio Santos de Moraes, o Dia D foi, na realidade, “O Dia D Temer passar vergonha”.
No último dia 23, em pleno recesso escolar, o MEC convocou professores de 28 mil escolas de ensino médio para discutir a base curricular comum, que está sendo analisada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). A proposta tem apoio dos setores empresariais ligados à educação, que tem representantes ocupando assentos no órgão vinculado ao ministério.
“Não houve debate. O que foi para as escolas foi um filme feito pelo governo, que faz uma leitura rasa da BNCC e não traz os fundamentos da base curricular que não tem legitimidade. E havia um questionário que o Consed enviou. A Apeoesp orientou os professores a responder com críticas, exigindo a devolução da proposta ao MEC, bem como a revogação da lei que institui a reforma do Ensino Médio”, disse o dirigente sindical.
Em artigo publicado no Sul21, a presidenta do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Rio Grande do Sul (CPERS Sindicato), Helenir Aguiar Schürer, afirma que a iniciativa do Dia D não representa uma súbita crise de consciência pela falta de diálogo. “Trata-se de uma tentativa desesperada de implementar a BNCC sem alterações estruturais, apostando numa tosca fachada de debate público. A pretensão de discutir as mais de 150 páginas do documento num único dia, com meio milhão de professores, atesta o que já sabíamos. O governo não quer conversar com educadores sobre educação pública.”
Para Helenir, o motivo é simples: “quanto mais desinformada estiver a comunidade escolar sobre as transformações explícitas e implícitas na reforma, melhor para os patrocinadores da BNCC. O Movimento pela Base, que coordenou a redação aprovada às pressas pelo Conselho Nacional de Educação em 2017, aguarda ansioso pelas oportunidades de negócio que devem surgir sobre os escombros da escola pública brasileira.”
No final de junho, o conselheiro nacional de Educação, César Callegari, entregou a presidência da comissão que analisa a BNCC no órgão. Em carta, ele aponta os motivos que o levam a duras críticas à proposta. Clique aqui para ler o comunicado na íntegra.
Dia de luta
“Hoje é um dia de luta para todos que defendem a educação pública nesse país. O governo federal dá continuidade a discussão supostamente democrática que trata da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio. Essa é uma proposta que desqualifica a formação da juventude e abre porteiras para privatização do ensino público. E que a implementação do BNCC engessa o currículo (tornando obrigatórias apenas as disciplinas de Português e Matemática) e ainda resultará em demissões em massa de professores e professoras, já que 40% da carga horária poderá ser ofertada à distância”, manifestou a professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Lisete Arelaro, por meio de redes sociais.
Licenciado da coordenação geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o sociólogo Daniel Cara também comentou: “Hoje é o ‘Dia D’ da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio. Temer quer legitimar uma BNCC que é ruim para professores e alunos. O ‘D’ deve ser de #Denúncia da péssimas condições de trabalho dos professores, que prejudicam a aprendizagem dos estudantes”.
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Saiba por que a BNCC do Ensino Médio de Temer é repudiada por especialistas, professores, estudantes e trabalhadores:
1. A Reforma do Ensino Médio, da qual a BNCC faz parte, tornou obrigatórias apenas as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática nas escolas brasileiras desse nível de ensino. As outras disciplinas, como História, Geografia, Sociologia, Filosofia, Artes, Educação Física, Língua Estrangeira, Física, Química e Biologia não serão mais obrigatórias.
2. O currículo flexível poderá ser cumprido totalmente fora das escolas, por meio de inúmeras certificações de qualidade duvidosa e desatreladas dos princípios da formação escolar, como cursos de aprendizagem oferecidos por centros ou programas ocupacionais (ex: Pronatec e Sistema S), e experiência de trabalho supervisionado ou outra adquirida fora do ambiente escolar. É o caso de trabalho voluntário; estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; cursos realizados por meio de educação a distância etc.
3. Essa proposta dificulta cada vez mais o ingresso da população de baixa renda na universidade.
4. Se a proposta da BNCC for aprovada, as escolas vão reduzir seus quadros de educadores, já que precisarão basicamente de professores de Português e Matemática. E mesmo assim, poucos serão necessários, porque parte das disciplinas serão cumpridas a distância.
5. Sem contar as demissões em massa, haverá contratação de profissionais com “notório saber” na educação técnica-profissional e precarização das relações de trabalho por meio da Reforma Trabalhista.
6. A parte flexível do currículo e até mesmo componentes da BNCC – não presencial – serão transferidos para a iniciativa privada, como o Sesc, Senai, Senac, Sesi e Federação Nacional das Escolas Particulares e o Sistema Globo de Comunicações, por meio de seus Telecursos. Por isso esses grupos apoiam a chamada reforma do Ensino Médio.
7. Esse domínio do setor privado no Ensino Médio público está alinhado com a Emenda Constitucional nº 95, que congela por 20 anos os investimentos públicos em políticas sociais, entre elas a educação.
Fonte: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)