Sobre a greve da escola pública do Rio Grande do Sul


(Reflexões de um sindicalista valenciano, residente permanente e aposentado)

Albert Sansano *
Em mais de uma ocasião, nestes últimos dias, tive que reprimir em público minhas reflexões sobre o momento que as trabalhadoras e os trabalhadores em educação do Rio Grande do Sul (RS) estão vivendo. Minha companheira é professora e sindicalista há muitos anos e eu, como professor (aposentado) e sindicalista, venho acompanhando-a em diversas manifestações, atividades e assembleias. Logicamente não podia intervir nos debates do sindicato e depois ficava difícil compartilhar meus pensamentos com outras pessoas.
É por isto que, neste momento de crise do movimento no RS, e da humildade de quem tem outra história de luta em outro país, queria contribuir com estas linhas ao debate.

De onde venho
Primeiramente, situar-me: venho de um país pequeno comparado com o Brasil e de uma história sindical diferente.
Minha vida política e sindical está unida ao Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores do Ensino do País Valenciano (STEPV-Iv) desde a sua fundação a qual contribuí, até a minha aposentadoria, que ocorreu quando eu ainda fazia parte do seu secretariado. Consequentemente, falarei sobre o sindicato que compartilhei lições, lutas e suas diferenças com a realidade brasileira, ao menos a gaúcha.
No chamado Estado espanhol, a ação sindical convive com um mapa político marcado por diversas estruturas das nacionalidades e povos que o compõe. Assim, por exemplo, existem organizações políticas e sindicais que só existem em Catalunha, Galícia ou o País Vasco, e uma lei lhes garante sua representatividade em todo o Estado espanhol. Outra diferença é na estrutura dos sindicatos. Igualmente, existem centrais sindicais, como no Brasil, porém os setores (as categorias aqui) estão organizados dentro de cada uma das centrais. A representatividade de cada sindicato se regula nas eleições a cada quatro anos, em que uma professora ou professor, filiado ou não, vota ao sindicato que quer que lhe represente. No País Valenciano a educação pública não universitária pode votar na Federação de Ensino Público de CCOO, ou ao STEPV-Iv, ou a outro dos sindicatos que se apresentam ao pleito. Apesar de que CCOO é a central majoritária a nível geral, é STEPV-IV que é mais representativo em educação desde faz 35 anos. Portanto, é quem marca as negociações com os governos.

Um modelo sindical também diferente
O STEPV-Iv faz parte da Confederação de Sindicatos de Trabalhadoras e Trabalhadores em Educação – STEs, a qual é composta de outros sindicatos do Estado espanhol. Neste caso também há outras diferenças importantes em relação ao sistema brasileiro.
Para começar, em seu interior convivem todos os setores educativos: estado, município, particular, universidade, desempregadas e desempregados, etc. Sua origem se deu nas assembleias organizadas durante as primeiras grandes greves na transição política da ditadura para a democracia. Estas assembleias decidiram converter-se em um movimento sindical que respeitasse o processo assembleário unitário que se deu durante este período. Como resultado dele o sindicato não tem um partido político de referência, nele estão todas as tendências políticas democráticas que se pode imaginar. O que o leva à necessidade de realizar um contínuo exercício de consenso. Esta vontade de consenso faz parte do espírito unitário de sua história, assim como de sua estrutura. Seu máximo órgão de governo, chamado Conselho Nacional, está composto por representantes territoriais não permanentes, eleitos pelas assembleias territoriais para cada ocasião. Não existe Secretaria Geral ou Presidência do sindicato, senão responsabilidades dentro de um secretariado para dirigi-lo entre cada um dos Conselhos Nacionais ou Congressos.
O STEs, também majoritário no Estado espanhol, é referência politica do sindicalismo alternativo progressista e de classe que foi surgindo na última década. Historicamente sempre colocou como prioridade, entre as suas iniciativas, a luta junto às famílias, organizadas na potente Confederação de Associação de Mães e Pais de Alunos da Escola Pública (CEAPA), aos estudantes e aos movimentos sociais , assim como com o Movimento de Renovação Pedagógica de todo o estado, entre outras. As conhecidas Plataformas pela Educação Pública ou As “Mareas Verdes” têm sido um exercício de consenso e com ele demonstrado ao professorado e à sociedade a necessidade de união entre os diferentes setores quando o objetivo é defender o serviço público de qualidade.

Unidade pelo progresso ou sectarismo partidário
O primeiro aspecto que me chamou atenção, assim que cheguei ao Brasil há cinco anos, foi ver como o sindicato que representava às categorias da educação, CPERS, dedicava mais esforço à agitação pública nas ruas contra o governo do PT que em visitar as escolas para que, através do debate democrático, as trabalhadoras e os trabalhadores em educação aumentassem seu nível de consciência e organização. Para que, por meio desse processo, avançasse na melhoria das suas condições de trabalho e, junto às famílias e os movimentos sociais, também do sistema público de educação.
Já naqueles dias percebi o discurso antiPT e antiCUT da autoproclamada esquerda sindical. Um discurso que não demoraria em coincidir nas ruas com o pensamento conservador e com a aliança golpista da direita. Um discurso que começava a proclamar que as trabalhadoras e trabalhadores em educação estavam melhor sozinhos, sem nenhuma central sindical. Tudo num momento de ofensiva da direita, da organização do golpismo!
Nas minhas conversas com seus protagonistas escutei uma e outra vez, que esta campanha era necessária para unir a esquerda sindical contra a burocracia da CNTE e da CUT, para “provocar a virada de um governo da social democracia às posições de classe”. Foram os fatos que me levaram a comprovar a falsidade e o cinismo de tais argumentos. Comprovei o caráter sectário e agressivo daqueles que faziam coro com as forças reacionárias para frear as iniciativas de progresso dos governos de unidade popular. Observei a obsessão para que suas siglas partidárias ou de central sindical (que contradição!) aparecera em cada atividade, tirando protagonismo dos símbolos e das palavras de ordem do CPERS. Constatei também a hipocrisia da sua vontade de unir à esquerda quando, assistindo como convidado ao Congresso da CNTE, vi como estas esquerdas renunciavam a unidade entre elas pelo simples fato de priorizar a pureza dos discursos e, portanto serem incapazes de criar uma chapa única. Isto resultou na impossibilidade de eleição e de compor com a direção. É curioso, mas este fenômeno aconteceu novamente nas eleições para a direção do CPERS de 2014.
E é que o sectarismo se caracteriza pela intolerância das suas posições, ademais costuma vir acompanhado de um oportunismo que se tenta colocar por cima da realidade da luta. É por isto que estes oportunistas intolerantes estão mais preocupados pelo que dizem ou estão impulsando os que deveriam de ser aliados por estarem no mesmo campo (que para eles são competidores!), que com as iniciativas dos inimigos de classe.
É evidente que na esquerda existem muitas diferenças táticas e/ou estratégicas, porém ao contrário da direita que não duvida em unir-se quando seus interesses econômicos estão em perigo, em mais de uma ocasião comprovamos como a esquerda esquece que nenhum movimento avança sozinho em seus processos de transformação social.
Saber construir alianças, articulações para que respeitando as diferenças se possa chegar ao consenso dos pontos que fazem avançar o movimento não é revisionismo, nem traição à classe, é saber diferenciar uma proposta de ação democrática de um processo autoritário. É priorizar o avanço coletivo frente às iniciativas das vanguardas iluminadas que cedo ou tarde se distanciam da realidade do movimento. É, definitivamente, fazer que uma organização ou um movimento se fortaleça e seja cada vez mais capaz de alcançar seus objetivos.
Ao contrário, pela hábil política esquerdista deste período o final estava claro. De um lado, CPERS seguia enfraquecendo e, de outro, uma parte do professorado desviou seu voto antiPT para … Sartori!

A importância da unidade das categorias do serviço público
Em vez de aprender, as mesmas estratégias continuaram no período atual. Longe de se organizar com o CPERS ante os ataques do projeto neoliberal de Sartori, estes setores esquerdistas, a partir dos núcleos controlados por eles, dedicaram a maioria dos seus esforços para atacar a nova direção central do CPERS e equiparar Sartori com a presidenta Dilma. Os mesmos objetivos se veem nas faixas e banners das manifestações, a mesma utilização oportunista da bandeira de CSP-Conlutas ou PSTU nas convocatórias unificadas têm sido a prática habitual destes núcleos.
Entretanto, há um fato importante que modifica o mapa das lutas deste período. Apesar do discurso reacionário de separar a educação das demais categorias se produz a construção do Movimento Unificado dos Servidores Públicos. Foi um salto que implicou na modificação das estratégias. Não se pode concordar que a unidade das diversas categorias é um avanço contra a política do governo Sartori e ao mesmo tempo pretender que as demais categorias caminhem ao ritmo que marque a educação. Aqueles que têm sido defensores deste caminho autônomo o fizeram de, ao menos, três posições. Uma, dos que sinceramente acreditavam que a educação animaria as demais categorias para seguir lutando, outra dos que não haviam superado o discurso corporativista de “melhor sozinhos, somos professores e não trabalhadores em educação ” e, por fim, dos envenenadores de opinião que temem a unidade com categorias nas que não têm influência política.
Nunca esquecerei o que significou para a luta educativa a construção das Plataformas pela Escola Pública, ou seja, a unidade de diferentes sindicatos, de mães e pais, de estudantes, de movimentos pedagógicos, de coletivos profissionais, de associações de moradores, e outros. Esta experiência supôs modificar objetivos reivindicativos, a agenda de lutas, os dias de greve. Podem imaginar a toda uma sociedade, e não somente o professorado, ocupando as ruas das cidades? Podem imaginar as mães e pais nos portões das escolas impedindo a entrada dos “fura-greves”? Pois foi isso que aconteceu.
Penso que estas experiências não devem ser dispensadas e do desejo sincero de contribuir a nasce a minha proposta de construir agendas comuns e caminhar juntas e juntos com o Movimento Unificado de Servidores Públicos. É por isto também, que não compartilho a ideia de greve por tempo indefinido, pois dificulta o trabalho com as famílias, com o bairro, com a sociedade, mas, principalmente com os grupos mais frágeis dos docentes que necessitam se encontrar na escola para intercambiar ideias e acompanhar a luta. Todas as greves indefinidas que recordo acabaram com um gotejo de professores que voltavam às aulas e pouco a pouco deixavam solitária a vanguarda e, por conseguinte desacreditavam a luta por seu fracasso. Disposto a dar sugestões, na história do pequeno País Valenciano chegamos a avaliar que não era conveniente convocar greve nas segundas e nas sextas-feiras, para não possibilitar falsos feriadões.

Ainda está em tempo
Os tristes acontecimentos da Assembleia de 11 de setembro (maldita data! Chile, Torres Gêmeas) obrigam a recapacitar e agir com prudência. As provocações não devem levar às iniciativas autoritárias. O que aconteceu no dia 15 de setembro na Assembleia Legislativa é uma prova a mais do comportamento que denunciei anteriormente. Temos que ser extremamente cuidadosos com as formas e recompor a unidade, sem ela não haverá vitória. O tempo e suas ações fará com que os iluminados percam apoio. Por tudo isto que devemos nos convencer que a unidade se dará com o trabalho nas escolas e nas comunidades, e deve ter foco no real inimigo comum: Sartori, seus aliados e o projeto neoliberal.

Setembro de 2015

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