Qual é o papel dos educadores(as) na sociedade atual? Essa foi a pergunta central do Encontro Estadual de Educação do CPERS, com o objetivo instigar e fazer refletir sobre o atual cenário da escola pública. O evento ocorreu nesta sexta-feira (26), na sede do Sindicato. A atividade faz parte do processo de formação da comissão educacional dos 42 núcleos do Sindicato.
“Nos últimos tempos vivemos em um mundo em que tudo tem preço. É uma grande empresa, onde tudo se compra e tudo se vende. A vida humana, a educação e o ensino não podem ser considerados mercadorias”, afirmou a doutora em Educação pela UFRGS e professora do Instituto Federal de Sapucaia do Sul, Maria Raquel Caetano, que palestrou sobre o tema “Mercantilização e privatização da educação pública”,
Raquel chamou atenção para o fato de que a privatização pode não estar ligada somente à venda da instituição, mas a introdução de uma série de mecanismos utilizados pelo Estado como a parceria público-privado, a gestão por resultados, o voluntariado, a filantropia, a terceirização e a instalação de uma série de ferramentas de mercado no próprio funcionamento da educação pública como o desenvolvimento curricular, a contratação de outros serviços privados nas escolas públicas, como, por exemplo, a formação de professores, gestores, a contratação de consultorias educacionais, serviços de avaliação, entre outros.
“A escola pública passa a ser privatizada quando a gestão do espaço, dos recursos e da gestão pedagógica é realizada por entidades privadas ou organizações sociais (OS)”, ou quando há a introdução de modos de gestão considerados típicos das organizações privadas.”
A professora também destacou as graves conseqüências para os educadores(as). “Quando eu terceirizo uma escola, eu terceirizo o trabalho do professor e dos funcionários de escola. A carreira e o salário do trabalhador vão mudar, e o trabalho do professor e do funcionário são precarizados. A própria educação como direito passa a ser desvalorizada”.
Raquel lembra que, nos países onde as OS foram inseridas, não há sinais de melhoria. “Os dados apresentados até o momento são contestados e não temos informações de que a privatização melhorou a qualidade da educação pública”, alerta.
A professora menciona que o discurso da eficiência, da eficácia, da inovação e da modernização é utilizado por governos e grandes organizações para justificar a privatização. Raquel também delineou o perfil buscado pelas organizações. “É um professor não sindicalizado, sem carreira, com maior carga horária e que vai cumprir metas”, sintetizou.
“Charter School”: a destruição da educação pública
As Charters School são instituições públicas administradas por entidades privadas, com financiamento público, criadas nos Estados Unidos. Raquel resgatou as experiências já implantadas no Brasil, e lembrou que o governador Eduardo Leite recebeu, em maio, o fundador da experiência norte-americana, Jonathan Hage.
O empresário, que gerencia 86 escolas espalhadas por seis Estados americanos, veio ao Brasil a convite do presidente do Instituto Floresta, Leonardo Fração. Os dois apresentaram ao governador a ideia de utilizar parte do fundo criado a partir Lei de Incentivo à Segurança para a construção de uma escola charter experimental em Porto Alegre.
Para a professora, quem defende as charters são os empresários, os empreendedores e os governos que querem retirar a educação das funções do Estado e repassar para o mercado. Além de não assegurar a melhoria da qualidade, a implantação do modelo em várias experiências realizadas, levam professores(as) e funcionários(as) de escola a perderem seus direitos, pois contratam trabalhadores(as) com menos experiência, com salários e benefícios reduzidos e uma carga de trabalho maior. “A charter school representa a extinção do ensino público, do piso e da carreira dos educadores, das eleições de diretores e da gestão democrática, além enfraquecimento dos sindicatos”, apontou.
“O aluno muitas vezes é considerado um produto, como um sapato ou um prego pelos governantes e não como um cidadão de direitos. A solidariedade humana, justiça social, uma escola para todos, o ideal de educação para a transformação social não estão incluídos nesse modelo. Agora precisamos criar a resistência contra esse projeto. Estamos em um momento de entender tudo isso, e nos fortalecer para lutar”, finalizou Raquel.
No final do painel, a coordenadora do Departamento de Educação do CPERS, Rosane Zan emocionou-se ao falar do momento difícil pelo qual passa a educação pública. “Quão grande é a nossa responsabilidade de continuar defendendo a escola pública que nós sonhamos. Estamos em um período difícil, a escola que tínhamos antes está acabando. O que nos resta é continuar lutando e resistindo pela escola que queremos deixar para os nossos filhos e netos. O Sindicato tem um papel importantíssimo, de continuar lutando pela escola pública de qualidade, laica e para todos. Minhas lágrimas são de fortalecimento e luta. Nós juntos vamos continuar lutando, porque construímos juntos e a escola pública é nossa”.
Os desafios e possibilidades da Educação Pública
Pela parte da tarde, a atividade foi conjunta com o Movimento em Defesa da Educação. O tema “Financiamento da Educação Brasileira em tempos de desconstrução do estado de direito: desafios e possibilidades” foi abordado pelo professor da Universidade de São Paulo (USP), José Marcelino Rezende Pinto.
A secretária-geral do CPERS, Cândida Beatriz Rossetto, falou dos desafios que a educação pública enfrenta e a urgência da organização de forma articulada para lutar contra os ataques. “Os desafios são muitos grandes, mas quero falar do orgulho de militar ao lado dos colegas que aqui estão hoje. Que possamos compartilhar e ampliar nos núcleos tudo o que estamos vendo aqui”, conclui.
Rezende fez a comparação de investimentos na educação na Suíça, onde são investidos 4.7% do Produto Interno Bruto (PIB) e, no Brasil, 6.0%. “Então o Brasil gasta mais, certo? Errado. Há uma grande diferença no tamanho do PIB. O que tem ser levado em consideração é o gasto por aluno. E se você analisa os dados da própria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em média os países da OCDE gastam de três a quatro vezes mais por aluno do que o Brasil.
De acordo com Rezende, o financiamento público da educação também já sofre as consequências da Emenda Constitucional 95/2016, que estabeleceu um teto de gastos públicos. “Mesmo que a economia cresça, os investimentos na educação continuarão congelados”, destaca.
Sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – responsável por custear, em 2018, cerca de 60% dos recursos destinados à educação básica -, Rezende explica: “apesar de ser a maior arrecadadora de impostos, a União arca com aproximadamente 10% do custeio total da educação. Diante da recessão econômica, estados e municípios, que carregam o rojão, sobrevivem em grave crise na educação básica e fundamental”, conclui Rezende.
O professor também falou sobre o Custo Aluno Qualidade Inicial – CAQi (conceito desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação para quantificar os valores mínimos necessário para o financiamento).
“O CAQi não é a escola dos sonhos, mas o mínimo que toda escola deveria ter: uma biblioteca, um laboratório de informática, um laboratório de ciências, um limite na razão de alunos por turma, o quadro de funcionários completo”, e completa “comparando ao que temos hoje, teríamos que praticamente dobrar o valor mínimo do Fundeb nos anos iniciais e triplicar ou quase quadruplicar o que ele garante para creche. O grande problema do Fundeb é que o valor aluno/creche é muito baixo”, explica.
Na visão do professor o governo do Rio Grande do Sul tem uma estratégia, que é não deixar crescer o atendimento na educação pública estadual.
Durante todo o encontro, os(as) professores(as) e funcionários(as) de escola relataram suas experiências e fizeram perguntas para os palestrantes.