Fechamento de escolas: governo asfixia instituições que atendem alunos vulneráveis no RS


“Querem que a gente desista. Aos pouquinhos estão nos asfixiando. É perverso.” A professora Nédia Maria dos Santos, da EEEF Vila Cruzeiro do Sul, de Porto Alegre, sintetiza o drama vivenciado por educadores(as) e estudantes das quatro “Escolas Abertas” do Rio Grande do Sul.

São instituições da rede estadual que atendem adolescentes e crianças em situação de vulnerabilidade social, encaminhados por órgãos de proteção à infância e adolescência. Todas estão ameaçadas de fechamento.



“Nós temos alunos que já circularam por outras escolas, mas não conseguiram se adaptar. A gente escuta que são alunos difíceis. A nossa escola é feita para esses alunos”, relata Jaqueline Pontes Ferreira, diretora da Cruzeiro do Sul e professora há 18 anos.

Embora o governo Eduardo Leite não tenha oficializado o encerramento das atividades, direções alegam que as CREs não respondem aos pedidos para suprir a crescente falta de recursos humanos, impedem a abertura de novas turmas e dizem que o modelo está com os dias contados.

A Cruzeiro do Sul está sem a vice-diretora, secretária, professor(a) de 3º ano, merendeira, educador(a) para a sala de recurso e supervisão escolar. Na biblioteca, recém reformada com verba própria da escola, educadores(as) se revezam para garantir o funcionamento.

Adrian dos Santos, estudante do 9º ano, reside em um abrigo em Porto Alegre e encontrou uma segunda casa na escola, que oferece turmas menores e atendimento especializado.  “Antes eu só me envolvia em briga e confusão, aqui não. Os professores são diferentes, dão atenção. Eu conheci outra família”, lembra.

A história se repete

Em 2016, a escola já havia sofrido ameaça de fechamento. A mobilização da comunidade conseguiu reverter a situação. Com o sucateamento imposto por Eduardo Leite, a instituição se prepara para enfrentar novos ataques.

Já estamos buscando alternativas, fizemos um abaixo-assinado, enviamos e-mails para deputados e vamos realizar alguns eventos na escola. Estamos lutando para que isso não aconteça”, diz Jaqueline.

A comunidade organiza um evento na sexta-feira (30) para mobilizar a resistência. A partir das 10h30, a escola oferecerá oficinas, palestras, orientações jurídicas e de saúde a moradores(as) do entorno.



“É tão grande a nossa força e o nosso desejo de lutar que eu não consigo pensar nas consequências do fechamento. Vai ser um grande caos, para nós, para a comunidade, para os alunos. Fechamento de escola é sempre uma grande perda, mas no caso da escola aberta é ainda mais cruel”, enfatiza Jaqueline.

Ataque coordenado

As outras três escolas abertas do Rio Grande do Sul, inseridas em bairros carentes da capital, de Cruz Alta e Santa Maria, encontram-se na mira do enxugamento de Eduardo Leite.

Adroaldo Machado Ramos, diretor da EEEF Ayrton Senna da Silva, de Porto Alegre, reforça a gravidade da situação. “Além do salário atrasado e da situação dos contratos fechados, estamos com muitas dificuldades de funcionamento. Falta pessoal, faltam recursos. É um absurdo”, afirma Adroaldo.

O diretor do 2° Núcleo – Santa Maria, do CPERS, Rafael Gomes Torres, conta que a situação é a mesma na escola aberta da cidade, a EEEF Paulo Freire. “O governo diz que a escola é pequena, que atende poucos alunos. Parece que estão tentando sucatear essas instituições para justificar o fechamento”, expõe Rafael.

Sonho interrompido

Isabel Cristina Oliveira de Melo, diretora da escola aberta Sonho de um Menino, de Cruz Alta, é servidora do estado há 25 anos e diz que nunca enfrentou tempos tão difíceis .

“Nós recebemos crianças em situação de rua e abandono, que tomam banho na escola, que fazem as três refeições do dia aqui, que não se adaptam nas escolas regulares e precisam da atenção especial que damos”, conta Isabel.

Atualmente, a escola atende 49 alunos, do 3° ao 9° anos, visto que em 2019 não foram abertas vagas para o 1° e o 2°. “Nosso maior problema são as enturmações. Hoje, os alunos do 3°, 4° e 5° anos têm aula na mesma sala, com o mesmo professor. Em outra sala estão os alunos do 6° e 7° anos e em outra os alunos do 8° e 9°”, conta Isabel.

A escola sofre também com a falta de funcionários(as). Por atender em turno integral, serve a escola três refeições por dia, mas conta somente com duas merendeiras e uma delas deve se aposentar no fim do ano.

Ao contatar a Seduc e a 9ª CRE sobre a reposição da funcionária, a resposta é sempre negativa. “Atendemos a comunidade carente de Cruz Alta em turno integral há 30 anos, mas sem o reconhecimento financeiro. Recebemos verba para uma única refeição diária. Para nos manter, contamos com o apoio de parceiros e do banco de alimentos da cidade”, diz Isabel.

Uma característica importante das escolas abertas é o atendimento a alunos especiais. Na Sonho de um Menino, dos 49 alunos, 11 possuem laudos que comprovam a necessidade de atenção específica, mas a escola conta com um especialista com contrato de 10h, que não dá conta da demanda.

Um dos propósitos das escolas abertas, a ressocialização dos alunos, também está em risco com os cortes de pessoal e de verba.  “Nós tínhamos várias oficinas, os alunos sempre gostaram muito da de culinária, mas não conseguimos mais seguir, porque não temos quem atenda”. Isabel relata que a saída atual é a utilização da sala de informática, sob supervisão do secretário da escola.

“Já tentaram nos fechar. Agora querem de novo. Eu só me pergunto quanto tempo eu tenho para lutar. Porque nós somos a única escola da cidade que oferece esse atendimento especial. A comunidade e esses alunos precisam da gente. Nós não vamos desistir”, enfatiza Isabel.

 

 

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