Com pompa e medalha de mérito da Brigada Militar, o secretário Faisal Karam anunciou recentemente a adesão do Rio Grande do Sul ao programa de escolas cívico-militares criado pelo governo Bolsonaro.
Trata-se de mais um aceno do governo Eduardo Leite ao PSL, partido do presidente e do deputado estadual Tenente Coronel Zucco, entusiasta do modelo e autor da proposta.
Sem projetos para atacar os reais problemas da educação, Leite se curva ao autoritarismo e compromete a autonomia das escolas, a gestão democrática e recursos do Estado em um projeto inútil e demagogo.
O programa institui a presença de oficiais da reserva ou brigadianos reformados no interior das instituições para “resgatar princípios como disciplina, ordem e valorização dos símbolos da pátria”.
Não há problemas em formar fileiras para cantar o hino nacional. Mas o fetiche da disciplina cívica não salvará jovens das drogas ou da violência urbana. Nem elevará o nível de ensino. Lugar de militar é na caserna e de policial é na rua.
Escola é para quem tem formação para educar, não para reprimir.
Foto: CGN / DF
Desvio de função
Além da função “disciplinar” caberá aos militares atuar na área psicossocial, identificando problemas familiares de estudantes e situações que possam “influenciar no aprendizado e convivência”. São atribuições para as quais o oficialato não tem qualquer formação.
Por estudo e experiência, monitoria e supervisão são atividades natas de quem educa.
Trocar o giz pelo coturno é um desrespeito com a categoria. A mensagem por trás do projeto é clara: a culpa da “desordem” e da “indisciplina” é dos professores e funcionários(as).
Alçado do anonimato à cadeira na Assembleia pelo bolsonarismo, Zucco soube surfar a onda do pânico moral e da cruzada contra a educação como poucos.
O militar acredita em fábulas, como a existência de doutrinação ideológica imposta por educadores(as), e já escreveu que “a permissividade em sala de aula está produzindo uma legião de jovens incapazes”.
É mais um expoente da sombria inversão de narrativa que criminaliza quem trabalha no chão da escola, ainda mais cruel quando se considera as condições de miséria da categoria no Rio Grande do Sul.
Com um mentor intelectual desta envergadura, não resta dúvidas de que as escolas “cívico-militares” serão ricas em episódios de censura, ingerência na gestão pedagógica e perseguição aos trabalhadores(as).
Programa onera o Estado
O investimento anunciado pelo governo federal – de R$ 1 milhão por escola – será destinado ao salário dos oficiais da reserva. É o Estado que precisará bancar uniformes e a qualificação dos espaços.
Caso opte por brigadianos reformados, a destinação dos recursos se inverte. Em todo caso, o projeto onera os cofres públicos em um contexto de crise financeira e sucateamento da educação.
Como de costume na gestão Eduardo Leite, há dinheiro para tudo, menos para quem mais precisa.
Critérios escusos
Nesta quarta-feira (2), veio a público o primeiro alvo selecionado para o experimento de militarização. Trata-se da EEEM Alexandre Zattera, de Caxias do Sul.
Estranhamos.
De acordo com o governo federal, com a Seduc e com o próprio deputado Zucco, dois critérios seriam utilizados na definição das escolas: vulnerabilidade social e baixo desempenho no Ideb.
A Alexandre Zattera é uma escola de qualidade acima da média. No índice em questão, está entre as dez melhores instituições estaduais de Caxias. No Rio Grande do Sul, supera a maioria dos educandários.
A vulnerabilidade social é uma característica da maior parte do alunado da rede pública, mas não é especialmente destacada em Caxias, cidade que figura no topo de índices como o IDH e o Idese.
No Atlas da Violência, o município da Serra ocupa a 15ª posição no ranking gaúcho de homicídios.
Por outro lado, a cidade é a que mais votos concedeu ao deputado Zucco, excetuando a capital. Outro dado preocupante: a escola na mira dos militares é conhecida por ter trabalhadores(as) engajados na luta sindical.
Resta saber se haverá diálogo real com a comunidade escolar ou se o modelo será, como sugeriu Bolsonaro, imposto de cima para baixo, à revelia do resultado da consulta.
Em reportagem do Pioneiro, a diretora ilustra – de forma inadvertida – a ineficácia do modelo. Afirma que 10 alunos já foram assaltados a caminho da escola em uma mesma noite.
Ora, é na rua, portanto, que as forças de segurança pública devem estar. Com patrulhamento permanente, fora dos portões da escola e do processo de ensino-aprendizagem.
Miguel Arroyo, professor emérito da UFMG, sintetizou o problema em entrevista recente: “as escolas militares têm bons resultados para formar militares, mas não são os melhores exemplos para formar cidadãos com valores de democracia e de igualdade.”