A história do piso salarial nacional para a educação (artigo de Heleno Araújo, presidente da CNTE)


Comemoramos na última semana o Dia do Professor e da Professora que, desde o ano de 1963, fazemos no dia 15 de outubro. Naquele ano, no final do Governo de João Goulart (1961-1964), foi editado o Decreto n.º 52.682, indicando essa data para se comemorar o Dia Nacional do Professor. Essa data foi escolhida em função do dia em que se promulgou o primeiro decreto no Brasil que continha uma lei educacional, ainda dos tempos do Império brasileiro.

Considerado a primeira legislação que trata sobre a educação brasileira, esse Decreto Imperial da época ainda de Dom Pedro I, responsável pela sua assinatura, foi sancionado no dia 15 de outubro de 1827. A Lei Geral, como era conhecida à época, criava escolas de “primeiras letras” para todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império do Brasil. O Imperador delegou aos Presidentes das Províncias a tarefa de definir, em conselhos e em audiência nas respectivas Câmaras, o número e as localidades das escolas.

Recordo aqui alguns aspectos deste Decreto Imperial que impactaram na vida profissional dos(as) professores(as) e que a nossa organização e luta de hoje em dia promoveram mudanças importantes ao longo da história. Já naquela época do Decreto Imperial, eram estabelecidos currículo, salários aos(às) professores(as), pedagogia adotada e didática usada, além da faixa etária dos(as) estudantes a que a legislação se propunha abarcar.

Logo em seu artigo 3º, a Lei Geral de Dom Pedro I estabeleceu um piso salarial nacional, fixando os salários dos(as) professores(as) na faixa salarial de 200$000 a 500$00 réis anuais, considerando as circunstâncias da população e a carestia dos lugares, submetendo o valor definido a aprovação da Assembleia Geral da Província. Tratou-se mesmo da primeira tentativa de estabelecer o piso salarial do magistério no Brasil, com valor mínimo determinado e levando em consideração a realidade local.

O artigo 6º do decreto determinava o currículo para as escolas, indicando o que os(as) professores(as) deveriam ensinar: ler, escrever, realizar as quatro operações de aritmética, promover a prática dos números quebrados, decimais e proporções, ensinar as noções mais gerais de geometria prática e a gramática de língua nacional, além dos princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana. Também indicou as primeiras noções de carreira tal qual a conhecemos hoje: “Os que pretenderem ser promovidos nas cadeiras, serão examinados publicamente perante os Presidentes, em Conselho, e estes proverão o que for julgado mais digno e darão parte ao Governo para sua legal nomeação”.

O Decreto Imperial também tratou de garantir uma gratificação anual, concedida pelos Presidentes em Conselho, que não excedesse à terça parte do salário dos(as) professores(as), que por mais de doze anos de exercício não interrompido tivessem se destacado por sua prudência, desvelos e grandes números de aproveitamento nas disciplinas. Olha a meritocracia atuando desde o princípio!

E sobre o direito à educação para todas as pessoas? O Decreto afirmava: “Haverá escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, em que os Presidentes, em Conselho, julgarem necessário este estabelecimento”. Mas as mestras professoras não ministravam noções de geometria e tinham em suas atribuições limites expressos para lecionar aritmética, ficando responsáveis apenas em instruir sobre as quatro operações. Tinham outra incumbência: deveriam ensinar as prendas que serviriam à economia doméstica. Mas um avanço no decreto foi que “as mestras deveriam receber os mesmos valores dos salários e gratificações concedidas aos Mestres”.

O provimento dos(as) professores(as) e mestres(as) eram vitalícios, mas os Presidentes, em Conselho, que tinha a responsabilidade de fiscalizar as escolas e os(as) professores(as), poderiam suspender o seu pagamento e, por sentenças, indicar sua demissão. Mas o ambiente financeiro para garantir o pagamento daquele piso salarial criado não deu condições materiais para que ele fosse, de fato, implementado em muitos lugares do país à época. O mesmo problema que temos hoje em dia: temos uma lei que assegura o pagamento do piso, mas que é muito descumprida ainda por vários gestores.

Nesta série de textos sobre a história do Piso Salarial do Magistério, que pretendo distribuir em sete partes ao longo das próximas colunas, indica que, desde os tempos mais remotos, o piso salarial nunca anda sozinho: o debate sobre piso salarial sempre foi acompanhado sobre a discussão de carreira, jornada, condições de trabalho e participação social nas definições das políticas de valorização da nossa categoria profissional. Se foi assim no período do Império, é indiscutível que seja assim também nos dias de hoje, quase 200 anos depois da edição daquele Decreto Imperial. Devemos ser resistência e luta para avançar com força em mais e mais conquistas. Na segunda parte desse debate sobrea história do Piso Salarial do Magistério, vou trazer para nossa reflexão e debate como foi o tratamento deste tema no Manifesto da Educação em 1932. Até lá!

(*) Por Heleno Araújo, professor, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e atual coordenador do Fórum Nacional da Educação (FNE).

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