“O governo Temer acabou. A escala da crise é tão grande que é muito difícil imaginar que ele sobreviva ao atual furacão. Mesmo que isso ocorra, ele ficaria tão frágil que não seria capaz de aprovar qualquer reforma ou realizar iniciativas políticas mais importantes do que mandar cortar a grama do Palácio Alvorada”. Essa é a avaliação do cientista político Mauricio Santoro, professor e Chefe do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), diante da crise que se instalou no Palácio do Planalto esta semana.
Dois pronunciamentos depois do início das revelações da delação da JBS, Michel Temer (PMDB) afirmou que “não renunciará” e que pretende seguir colocando “o país no rumo”. O que ele vê como rumo, no entanto, parece uma visão diferente da maioria da população. Nas redes sociais, as hashtags mais populares da semana pautavam #ForaTemer e #DiretasJá. Logo após a revelação da gravação entre o peemedebista e Joesley Batista, do grupo JBS, Temer foi citado em 947.418 mensagens no Twitter, por perfis de esquerda e direita.
Porém, o que vem a seguir? Há três caminhos para uma possível saída de Temer a partir de agora. Pelo impeachment, renúncia (que ele afirma que não irá acontecer) ou se a chapa Dilma-Temer for cassada no processo que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem julgamento marcado para o próximo dia 06. Ironicamente, as delações que agora mexem com a República, incluem um áudio do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) dizendo que só deu início ao processo no TSE “para encher o saco do PT” e que Temer pediu que ele recuasse depois do impeachment de Dilma.
“Um novo impeachment demoraria meses, pioraria a situação já muito ruim da economia e deixaria a política mais tensa. A renúncia é improvável, pois Temer perderia não só o poder, possivelmente seria preso também. Ele não tem qualquer incentivo para fazê-la. Mas a eventual cassação pelo TSE poderia ser uma saída rápida e relativamente indolor diante da crise atual”, avalia Santoro. “Em qualquer um dos três casos acima, o que a Constituição prevê é a eleição indireta do sucessor pelo Congresso. Contudo, a lei específica que regularia essa eleição nunca foi elaborada. Há uma zona de sombra sobre, por exemplo, o Congresso poder ou não eleger qualquer cidadão, ou se precisa ser um(a) parlamentar. Entraríamos num terreno turbulento, num momento em que o prestígio do Congresso e dos políticos bate recordes negativos”.
É nesse contexto que a ideia de “Diretas, Já” tem ganhado fôlego. Embora grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e parte da esquerda receiem erguer a bandeira, ela é um dos pontos em comum nos dois campos polarizados das redes. E uma das principais motivações dos protestos deste domingo (21) no país.
Santoro também acredita que essa parece a melhor saída para o momento. O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) – o primeiro a apresentar pedido de abertura de processo de impeachment contra Michel Temer, ainda no dia em que as gravações de Joesley Batista vieram a tona – defende que não é preciso emenda, mas sim respeitar a lei para ter eleições diretas. Segundo ele, a lei prevê eleições indiretas somente em casos de o cargo ficar vago faltando a partir de seis meses (180 dias) para o novo pleito. Como as próximas eleições só aconteceriam em outubro do próximo ano, isso já seria suficiente para convocação de diretas.
O cientista político, no entanto, acha que isso só poderia ocorrer com uma emenda constitucional. Desde quarta-feira, políticos da base e da oposição tem feito campanha para que o Congresso aprove a PEC 227/2016, do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), que prevê eleições diretas em caso de vacância da Presidência. O projeto deve ir à votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na próxima terça (23). Para que ela ande na casa, no entanto, Mauricio Santoro acredita que vai depender da pressão nas ruas.
“O problema para os políticos é que uma eleição neste momento provavelmente daria a vitória a Lula e reconduziria o PT ao poder. Isso é a pior notícia para a coalizão que afastou Dilma e dá apoio a Temer. Perderiam o poder apenas um ano depois de conquistá-lo. E, claro, muitos esperam que Lula seja condenado em 2a instância em ao menos um dos processos que enfrenta, o que pela Lei da Ficha Limpa inviabilizaria sua candidatura em 2018. As novas denúncias da JBS aumentam essa possibilidade”, explica Santoro.
Outro ponto de alerta, sinalizado por vários cientistas políticos, é que o momento de crise também pode favorecer a ideia de “salvadores da pátria” e dar força à candidaturas extremistas. “As candidaturas de extremistas/outsiders (Bolsonaro/Doria) crescem em popularidade, mas ainda estão em patamares de 20%. Leva tempo para construir uma estrutura de apoio nacional em uma campanha presidencial. Uma eleição antecipada neste momento não é do interesse deles”, avalia ele.
A última vez que o Brasil viu as ruas pedirem por eleições diretas foi há 33 anos, no final de uma já desgastada ditadura militar. O Congresso acabou fazendo um grande acordão e colocando Tancredo Neves indiretamente na presidência, como uma espécie de transição da reabertura. Ele nem chegou a assumir o cargo, falecendo em seguida. A volta do grito “diretas já” agora, para o cientista político, parece ser a única maneira de o sistema retomar credibilidade junto à população.
“As Diretas Já da década de 1980 foram um movimento importantíssimo para terminar a ditadura e retomar a democracia em meio a uma ampla mobilização popular. Havia uma grande esperança no potencial do sistema e líderes populares com amplo apoio de setores sociais chave. O cenário hoje é de descrença nas instituições políticas e descontentamento profundo com a democracia. Trata-se de reformar o sistema e recuperar sua credibilidade, muito abalada. Os inimigos não são os generais, são os problemas que corromperam desde dentro as promessas da democracia”, analisa ele.
Fonte: Sul 21/ Fernanda Canofre