A sede do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) serviu de palco, na noite desta quarta-feira (19), para que servidores de cinco das 11 fundações extintas no Legislativo na votação histórica do pacote de medidas do governo de José Ivo Sartori (PMDB), em dezembro de 2016, pudessem falar o que a Assembleia Legislativa não quis ouvir. Na mesa, representantes da Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec), Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), Fundação Piratini ( que abrange a TVE e FM Cultura), Fundação Zoobotânica (FZB) e Fundação Estadual de Economia e Estatística (FEE) falaram sobre o papel que ocupam hoje no Estado. Essa era a ideia central do painel “O impacto das extinções das fundações”, como anunciou o presidente do IAB, Rafael Passos.
O evento aconteceu no mesmo dia em que Sartori criticou o que vê como “demora” nos processos de extinções das fundações. Para a imprensa, durante o lançamento de um aplicativo do governo para abertura e fechamento de empresas, pela manhã, ele declarou: “Se [o Estado] fez por lei e terminou por lei, cumpra-se aquilo que tem que cumprir. Paga os direitos que tem que pagar e encerra o procedimento. Encerra. Acabou. Terminou”.
Para servidores que lutam por suas fundações desde que o pacote foi apresentado no Palácio Piratini, no final de novembro, a declaração demonstra que o governo não compreendeu a fundo os efeitos de seu próprio projeto. “Essa fala do governador representa aquilo que a gente vem denunciando ao longo de todos esses meses. Não foi feito um estudo profundo para conhecer a realidade de cada uma dessas entidades, a importância que elas têm para a sociedade e o impacto que terá sem a prestação desses serviços”, afirma o engenheiro da Cientec, Luiz Antônio Antoniazzi. “Nisso o governo deveria ter tido pressa. Até então ele não apresentou estudo nenhum, exigiu uma votação acelerada na Assembleia Legislativa e só agora está se dando conta da repercussão jurídica. Não dá para quebrar direitos garantidos pela Constituição apenas pela vontade do governador. Ele também tem que respeitar a lei”.
O “atraso” criticado pelo governador foi direcionado as liminares do Tribunal Regional do Trabalho que exigem negociação com servidores das fundações. A primeira liminar que suspendeu demissões nas fundações até acordo coletivo foi concedida nove dias após a votação na Assembleia.
“O governador desconhece as leis, desconhece que existe uma negociação coletiva que precisa ser cumprida e mais uma vez demonstra o quanto toda essa situação foi feita sem planejamento e de afogadilho. Se ele quer que isso seja feito logo, ele que tivesse um plano de como vai tocar essas fundações. Ele está só respondendo a pressão da mídia, de um veículo de comunicação que pautou isso semana passada”, afirma a jornalista da TVE, Angélica Coronel.
Impacto e o que vem depois
Enquanto o governo Sartori tenta lidar com as negociações na esfera trabalhista, os servidores apontam situações específicas de cada uma das cinco fundações presentes no debate e preocupação sobre como ficarão os serviços tocados por elas quando deixarem de existir.
“O Ministério Público foi acionado, pelos servidores, no sentido de que há diversas funções das fundações que terão que continuar”, explica o economista da FEE, Iván Peyré Tartaruga. “Aparentemente, o governo não se preparou para isso, [mas] eles estão vendo quais as atividades que tem que continuar. A exemplo da FEE, nós temos alguns indicadores que são utilizados para distribuição de fundos do Estado e é por obrigação legal. Então, se acaba a fundação e esses indicadores não são mais feitos, vai ter um problema legal para distribuição de recursos do Estado para os municípios”.
A Fundação de Economia e Estatística – que representa 0,06% das despesas do Estado – é conhecida como mais importante banco de dados do estado. Com a extinção da FEE, a produção de indicadores e estatísticas importantes como o Idese (espécie de IDH, mas que considera educação, renda e saúde apenas no RS) e o PIB regional teriam de ser repassados a outros órgãos. O governo não apresentou até o momento um plano para o que será feito com os dados da FEE.
“Muito dificilmente outros fariam o que a FEE faz hoje. [Porque] aí tem questões de Estado. Por exemplo, o PIB é feito com dados que vem da Secretaria da Fazenda e são dados sigilosos. A posse desses dados pode gerar problemas éticos, não é qualquer pessoa que pode ter acesso a eles”, explica Iván.
Em dezembro, ele publicou um artigo no Sul21 falando sobre o papel das fundações no desenvolvimento tecnológico do Rio Grande do Sul, com seis razões para que as extinções não fossem levadas adiante. “É o momento de nossos governantes inovarem, e não escolherem os caminhos mais fáceis como simplesmente extinguir instituições de pesquisa e cultura como forma de economia. Isso não se justifica no capitalismo moderno de hoje”, escreveu, dizendo ainda que as fundações também deveriam inovar na busca de soluções.
No caso da Cientec, por exemplo, responsável por fiscalizar obras, além de prestar serviços tecnológicos para empresas públicas e privadas, existe uma lei que exige que obras orçadas acima de 3 mil salários mínimos tenham avaliação da fundação. “Onde a Cientec deveria estar presente e não está, sempre vai haver algum problema”, afirmou Antoniazzi, durante o debate, lembrando de problemas em obras em uma barragem, durante o governo de Yeda Crusius (PSDB), que não chamaram a fundação.
Com uma especialização inédita em projetos de recuperação de fechadas de prédios históricos, a Cientec participou de obras recentes no Palácio Piratini, no Solar dos Câmara e na Casa de Cultura Mário Quintana. O governo ainda não apresentou como ficará o trabalho de 900 laudos por ano conduzidos pelo órgão, nem como passarão a ser encaminhados os mais de 13 mil laudos sob sua responsabilidade. Em janeiro, servidores denunciaram que a Susepe (Superintendência de Serviços Penitenciários) estariam visitando prédios e terrenos da Fundação como possibilidade para instalação de presídios.
Argumento da economia caiu por terra, para servidores
Os servidores também defenderam a tese de que a promessa de economia, vendida pelo governo na proposta das extinções, caiu por terra depois da votação. Segundo eles, todas as 11 fundações colocadas no pacotaço de Sartori somam juntas 1% das despesas do Rio Grande. Em contrapartida, serviços prestados por elas, que agora terão de ser terceirizados, podem pesar ainda mais as contas daqui pra frente.
A Fundação Zoobotânica ilustra bem a situação. Apesar de o órgão fiscalizador em licenças e laudos ambientais ser a Fepam, a FZB tem se mostrado como importante pedra de apoio da parte técnica. Durante apresentação no IAB, o técnico do Museu de Ciências Naturais da fundação, Marco Azevedo, apresentou tabelas provando que serviços prestados por ela sempre se mantiveram abaixo dos preços cobrados pela iniciativa privada.
Na elaboração de planos de manejo de unidades de preservação, por exemplo, enquanto a FZB cobrou R$ 270 mil pelo trabalho na área de preservação da Rota do Sol, o mesmo serviço com a iniciativa privada foi orçado em R$ 2,28 milhões. Em outro caso, a FZB cobrou R$ 176 mil pela elaboração do plano de uma área de 14 mil hectares, do Parque Estadual do Delta do Jacuí. Para elaborar o plano na área de preservação em torno do Parque, com 8 mil hectares, o governo contratou uma empresa privada, para fazer o mesmo serviço. A conta final ficou em R$ 948 mil. Ou seja, R$ 772 mil a mais do que o cobrado pela FZB. O valor seria equivalente a 70% da folha de pagamento da fundação.
Marco diz que a lei prevê que a FZB só poderá ser extinta, quando todos seus serviços forem assumidos ou encaminhados dentro da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA). Segundo ele, o governo apresentou um organograma sobre o novo funcionamento da fundação, onde projeta assumir administração de parques paleontológicos no estado. O problema: a FZB não possui paleontólogos em seu quadro.
“A gente não acredita que vá se concretizar tudo isso que eles estão falando. A tendência é que só se perca, caso se confirme a extinção”, afirma ele.
A mesma incerteza encarada por eles, está dentro da Metroplan. Responsável pela criação de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano e regional, em áreas que concentram 53% da população gaúcha, os servidores da Fundação não conhecem os encaminhamentos que serão dados ao trabalho realizados por eles, mesmo cinco meses depois da votação das extinções.
A Metroplan é encarregada ainda da gestão de licitações de empresas de transporte coletiva na Região Metropolitana, da capital, e do passe livre estudantil nas cidades ao redor de Porto Alegre. “Ao mesmo tempo que a Metroplan vai ser extinta e ninguém diz para onde vai a gestão do transporte, parece que a União anunciou que quer passar a gestão do Trensurb para o Estado”, questiona a arquiteta e servidora Gilda Jobim.
“Não se fez a contabilidade do que o Estado está perdendo em termos econômicos, poderia citar os diversos projetos tecnológicos da Cientec com empresas privadas, a Fundação Zoobotânica, fora todo o conhecimento que se perde e que não tem valor monetário, mas tem valor importante de conhecimento que tanto setor público, quanto privado utilizam”, diz Iván. Em uma área diferente dos números do economista, mas também vivendo a realidade da extinção, a jornalista Angélica Coronel complementa: “O governo realmente mostrou qual o motivo dessa extinção, que é ideológico”.
Fonte: Sul 21/ Fernanda Canofre