Deputados podem votar projeto que permite congelamento em investimentos por 10 anos nesta terça


Está na pauta de sessão da Assembleia Legislativa, desta terça-feira (14), a apreciação do projeto de renovação da dívida do Estado com a União. 

Trata-se do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que prevê a suspensão temporária do pagamento integral das prestações da dívida com a União — bem como dos limites e penalidades previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) — mas sem nenhum tipo de desconto em termos de juros e correção monetária. Em troca, o Estado se compromete a adotar um Plano de Recuperação Fiscal, contendo medidas de arrocho de despesas que limitam sobremaneira sua capacidade de ação.

Vendido com um viés de salvação pelo governo Leite (PSDB), na prática, o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) permitirá o congelamento de investimentos em educação, segurança, saúde, assistência e todas as demais áreas de atuação do poder público, condenando o estado ao subdesenvolvimento por dez anos.

Para aprovação do texto final do projeto, o governo precisa homologar outros dois projetos, o PLC 246/21, que altera a Lei Complementar nº 15.138, que dispõe sobre o Regime de Recuperação Fiscal do Estado do Rio Grande do Sul, e a PEC do Teto de Gastos, que estabelece limite dos gastos no Estado, assim como já ocorre em nível federal.

Por 9 votos a 2, os integrantes da Comissão Especial  aprovaram o relatório final do deputado Carlos Búrigo (MDB) e recomendaram que o RS faça a adesão do RRF o mais rápido possível. Os dois votos contrários foram dos parlamentares Sofia Cavedon (PT) e Fernando Marroni (PT). 

Rio de Janeiro implantou o Plano de Recuperação Fiscal, e não conseguiu restabelecer equilíbrio das finanças públicas

O primeiro estado — e único até o presente momento — a adotar o RRF, ainda em 2017, foi o Rio de Janeiro. 

Mesmo com alteração das regras de concessão de pensões, aumento da contribuição previdenciária e a alienação de imóveis do Rioprevidência, revisão de incentivos fiscais, aumento de alíquotas tributárias e revisão do preço mínimo do petróleo e gás, para fins de cálculo de royalties, o estado não conseguiu restabelecer o almejado equilíbrio das finanças públicas.

Segundo informações Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o estado não pratica o reajuste dos seus servidores desde julho de 2014 e também não tem realizado concursos públicos para reposição dos seus quadros, o que compromete a prestação do serviço público estadual.

Confira a íntegra da análise do Dieese aqui.

No estudo do Dieese também há um resumo com os impactos caso o RRF seja aprovado no RS e uma lista com 14 motivos do porque o Rio Grande do Sul não deve aderir ao Regime, que você pode conferir abaixo: 

Por que o Rio Grande do Sul não deve aderir ao RRF?

1) Boa parte das vedações recaem sobre os servidores públicos, o serviço público e, consequentemente, a sociedade. A proibição de realização de concurso público e de contratação de pessoal implicará, no longo prazo, na impossibilidade de atender a demanda da população de maneira correta, além da sobrecarga de trabalho dos servidores. Soma-se a isso o fato de que esses servidores sobrecarregados não poderão ter reajuste salarial e nem melhoria nas suas respectivas carreiras, o que pode levar, por exemplo, ao aumento da saída de trabalhadores do serviço público.

2) O fato de que a concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária se aplica apenas às futuras concessões. Isso é negativo sob dois pontos de vista: o primeiro é que podem ser perdidas oportunidades interessantes de estímulos a setores econômicos que poderiam gerar emprego e renda para a sociedade; e o segundo é que ao não se tratar das concessões de benefícios já existentes perde-se a oportunidade de realizar uma avaliação daquelas, a fim de mensurar os benefícios obtidos pela sociedade em decorrência das renúncias de receita. O Rio grande do Sul concede em torno de 20,1 bilhões por ano em renúncias. Considerando somente o ICMS — que há influência legislativa, representa 9,8 bilhões., o que equivale a 21,3% do que poderia ser arrecadado — o dobro do que é concedido em São Paulo, por exemplo. De 2014 a 2019 essas renúncias 20,1%, enquanto a maior parte dos servidores não tiveram nenhuma reposição inflacionária. 

3) Ao longo da vigência do Plano de Recuperação Fiscal, de acordo com a LC-178, o ente terá algumas prerrogativas: (a) o contrato de refinanciamento da dívida deverá prever que o estado vinculará em garantia à União as receitas de ICMS, IPVA , ITCD, IRPF e transferências, além de definir o prazo no qual deverá ser apresentada comprovação do pedido de desistência pelo estado das ações judiciais que discutam dívidas ou contratos de refinanciamento de dívidas pela União administrados pela Secretaria do Tesouro Nacional ou a execução de garantias e contragarantias pela União em face do respectivo ente federado. Essa vinculação é uma clara violação à autonomia dos entes, além de poder trazer graves consequências para o funcionamento da máquina pública.

4) No que se refere as privatizações realizadas pelo governo gaúcho, vale registrar que a gestão privada (financeirizada) de serviços públicos, norteada pela busca da maximização do lucro e distribuição de dividendos para os acionistas, não é compatível com o atendimento das necessidades da população. Em outros países, muitas empresas prestadoras de serviços públicos que foram privatizadas durante a onda neoliberal da década de 1980 têm sido reestatizadas, conforme estudo do Instituto Transnacional. Entre as principais justificativas para a retomada dos serviços pelo poder público estão justamente o aumento de tarifas e a precarização dos serviços pós-privatização, além de demandas por maior participação e controle social.

5) Na medida em que ficam vedadas as contratações de servidores públicos e a realização de concurso público, a sociedade gaúcha pode ficar por nove anos sem a ampliação e melhoria dos serviços públicos a ela prestados. Isso em um cenário no qual, segundo dados do Portal de transparência do Rio Grande do Sul, o número de servidores ativos do Poder Executivo Estadual passou de 153.040 em 2015 para 122.852 em 2021, uma redução de -19,7%. Em determinadas áreas a situação é ainda crítica, como na educação, em que a redução de servidores, nesse período chegou a — 25,6%. Sendo que de 2015 a 2020 a população do estado teve crescimento de 2,2%, de acordo com dados da estimativa de população do IBGE. Dessa forma, o concurso público apenas para reposição de vacância não é suficiente para atender à população, pois o crescimento populacional, ainda que em patamares inferiores, ainda é positivo.

6) Uma das condições para ingressar é a aprovação do Teto de gastos no estado. Regra Fiscal que consiste em determinar que as despesas primárias (Pessoal, Custeio, Investimentos e inversões) não poderão variar acima do IPCA/IBGE, ou da variação da RCL, o que for menor. Dessa forma, caso a variação da RCL seja menor que a variação do IPCA a perda de poder de compra estará concretizada. Hoje os servidores já acumulam perdas salariais que montam em percentual superior a 46%. O governo, com a adesão, atesta que reduziu praticamente pela metade os salários dos trabalhadores, e que não pretende corrigir isso – saldar essa dívida -, podendo ainda ser agravada. 

7) Além disso, se o padrão acima for mantido nos próximos nove anos – crescimento populacional e queda do número de servidores – e considerando ainda o aumento da demanda por serviços públicos decorrente da pandemia e seus desdobramentos e o consequente empobrecimento da população, teremos uma situação na qual os servidores que permanecerem no serviço público ficarão ainda mais sobrecarregados diante da ausência de novos concursos para a ampliação dos quadros.

8) O dispositivo (de teto de gastos) que proíbe ampliação de despesa obrigatória além da inflação é muito semelhante ao mecanismo criado pela EC 95/2016 e os resultados desse mecanismo já são conhecidos: a impossibilidade de ampliação dos investimentos e dos gastos nas áreas sociais, com graves consequências para a sociedade, em especial para os mais pobres, que são os maiores demandantes dos serviços públicos.

9) O governo precisa apresentar projeções de receitas e despesas para os próximos anos. Muitas premissas serão utilizadas para demonstrar o tal equilíbrio perseguido, que estão sendo construídas pela equipe da Secretaria da Fazenda do estado em conjunto com o Tesouro Nacional, as quais, pelo desdobramento até o presente momento, não serão conhecidas antes da aprovação do plano. Nessa esteira vale lembrar, que o governo no último ano, estimou na Lei de Orçamento um déficit seis vezes maior do que o realizado.

10) Mesmo a economia global enfrentando um dos piores momentos com a pandemia de covid-19, o Rio Grande do Sul tem conseguido manter uma arrecadação estável e até maior do que a do ano passado. O Resultado Primário no ano de 2020 foi positivo em 2,35 bilhões (3,65 bilhões acima do orçado); E superávit de R$ 2,8 bilhões no primeiro semestre de 2021, destacando-se a alta na arrecadação do ICMS que contribuiu – com crescimento nominal de 27,9% em relação a 2020. A tendência é que o cenário melhore, já que a campanha vacinal mantendo a recuperação da economia e da arrecadação de impostos. Por outro lado, a despesa total no estado, no primeiro semestre de 2021, cresceu apenas 0,6%. E se considerado apenas as despesas com pessoal e encargos (excluídos os repasses intraorçamentários, isto é, no âmbito do próprio governo) caíram 144 milhões, e isso mesmo em cenário pandêmico.

11) Um dos riscos da adesão ao RRF é aumentar a dívida porque mensalmente serão acrescidos encargos que serão adicionados ao saldo devedor, e o estado estaria privado de qualquer contestação da dívida na Justiça, no caso de refinanciamento. Até hoje, só o Rio de Janeiro aderiu à medida e, como o estado está com dificuldades de cumprir as contrapartidas, corre o risco de ter o acordo revogado e de ser obrigado a pagar imediatamente aos cofres da União tudo o que foi dispensado de desembolsar desde 2017. Seria o mesmo risco de cair a liminar que o RS tem hoje. Nesse aspecto há divergência de interpretações. Embora alguns procuradores indiquem que se o estado ingressa no RRF com liminar vigente, não pode caracterizar esse período em que a liminar esteve vigente como inadimplência, mas se a liminar não estiver mais vigente configura-se como inadimplência, contudo são interpretações a legislação (do RRF) não é transparente nesse nível de hipóteses.

12) A soberania do estado também ficará em risco, pois ele será submetido não apenas ao Teto de Gastos, mas às decisões do Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal, que passaria a ter mais superpoderes de fiscalização — ferindo a Autonomia Federativa.

13) O endividamento do Estado ocorreu com anuência da União — pode ser caracterizado como uma política de Estado. Contudo, o regime impõe uma série de vedações e obrigações.

14) O montante da dívida ainda é objeto de discussão jurídico-pericial, tanto que existe liminar vigente. A maior parte da dívida do Rio Grande do Sul é com a União, sendo oportuno lembrar que há uma relação direta entre o endividamento do estado e a redução ou aumento de ativos da União.

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