Uma das escolas mais antigas da capital, com 152 anos de história, o Instituto de Educação General Flores da Cunha, localizado na Avenida Osvaldo Aranha, em Porto Alegre, passa pelo momento mais crítico de toda a sua trajetória.
Desassistidos pelo governo, ainda em 2016, os estudantes foram obrigados a migrar para quatro espaços diferentes para a realização da reforma da escola. O governo havia prometido devolver o prédio em 18 meses, mas já se passaram cinco anos.
Agora, a instituição de ensino é atacada novamente. Sem qualquer diálogo com a comunidades escolar, o governo Eduardo Leite (PSDB) anunciou, em live, um projeto megalomaníaco de construir museu privado, nos moldes do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, e de um centro tecnológico de formação de professores(as) dentro da escola.
O CPERS visitou, na manhã desta quarta-feira (27), um dos quatro complexos cedidos pelo governo, situado na Rua José Bonifácio, 497, que atende os anos iniciais do ensino fundamental do IE.
Descaso, desrespeito, desvalorização, indignação e abandono. Esses são os sentimentos de toda a comunidade.
“Saímos há cinco anos do nosso prédio para o restauro. Mas o nosso retorno estava garantido após 18 meses. Em 30 de setembro de 2019, a segunda empresa contratada parou, não pagava, eram atrasos e atrasos. O Estado não cumpriu contrato mesmo a firma cumprindo o seu cronograma de obra. Ninguém trabalha sem receber”, destaca a vice-diretora da escola, Heloiza Rabeno.
Com o objetivo de levar apoio e solidariedade aos educadores(as) e estudantes, a presidente Helenir Aguiar Schürer afirmou que o Sindicato está acompanhando intensamente todas as ações que envolvem a escola, que incluem a reforma, a conservação e também, agora, o projeto do governo Leite de construir um museu privado e de um centro tecnológico de formação de professores(as) dentro da instituição.
“Há uma grande possibilidade do governo colocar uma empresa privada dentro do Instituto e nós somos totalmente contrários. Estamos apoiando a comunidade do Instituto, porque escola pública é o tema mais marcante neste momento de tanto ataque ao serviço público. A manutenção da instituição pública é fundamental neste momento”, destacou.
Helenir também ressaltou que o CPERS está à disposição da escola. “Estamos juntos nessa luta. Estamos acompanhando, estamos juntos nas fileiras de resistência de toda a comunidade do Instituto. Qualquer coisa que precisar, podem nos procurar”, destacou.
A vice-diretora Heloiza conta que a escola atendia 2 mil alunos. Com a mudança para as outras unidades, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) orientou que não recebessem mais matrículas. “Então, nós tínhamos que estar reduzindo o número de alunos, pois não poderíamos abarcar todos esses estudantes que desejam estudar no Instituto”, afirma.
Dos 50 anos no Magistério, 21 Heloiza atua no Instituto. Ela desabafa sobre o sentimento de repulsa pela situação dramática que a escola enfrenta.
“Meu sentimento é enorme de indignação. É uma falta de respeito, de consideração com toda a comunidade escolar. Eu gostaria muito que o governo olhasse para o nosso projeto de escola, o nosso projeto é realmente para uma escola que já teve 3.500 alunos e nós podemos resgatar dada a localização desse prédio”, destaca a vice-diretora.
O empreendimento anunciado por Leite e a Secretária de Educação, Raquel Teixeira, ocuparia cerca de 25% da área construída pelo Instituto. A expectativa é de que a primeira fase de implementação seja iniciada já no primeiro semestre do próximo ano.
Para o projeto milionário, o governador anunciou recursos de R$ 59,3 milhões no orçamento de 2022 para a conclusão da reforma do prédio, implantação do museu e dos centros de formação. Só para concluir a reforma capaz de abrigar o museu serão R$ 25 milhões.
“Ele deu um novo destino para a escola como se aqui estivesse abandonado, sem projeto nenhum. Vai descaracterizar o projeto que a gente fez, teria que fazer um novo projeto. Esse espaço do museu não foi nos mostrado, mas a área que a secretária fala é muito grande e nós temos todas as áreas preenchidas em nosso projeto”, explica Maria da Graça Ghiggi, membro da Comissão do Restauro do Instituto e mãe de ex-alunos.
“Nosso projeto foi construído com a comunidade escolar. Esse projeto de restauro tem um sentido, com laboratório de química, física, português, ginásio, auditório, biblioteca, sala cultural, museu. Para uma escola com dinâmica e movimento muito grande. O nosso projeto é sim de uma escola pública. Pensando em oferecer o melhor para os nossos estudantes”, defende a vice-diretora Heloiza.
Maria da Graça conta que após a live de Eduardo Leite foi feita uma reunião online com a Secretária de Educação .
“Ela nos disse, vocês me desculpem mas eu não sabia que ali tinha uma escola em funcionamento. Eu passei na frente do prédio com o meu motorista e ele que me disse que ali era uma escola que formou lideres. Ela nos disse que desceu do carro e ficou encantada com o prédio e pensou que ali poderia fazer o seu projeto. Se eu soubesse que lá tinha uma escola, uma direção eu tinha chamado para conversar ”, explica Graça.
“Meu sentimento nesse momento é de descredito, uma falta de consideração com a educação no Estado, a educação dos nossos jovens, dos nossos estudantes. Tu acha que uma escola com toda modernidade, funcionando para os estudantes, num ponto central como o Farroupilha, bem estruturada, composta de professores e funcionários para prover isso. Tu acha que não teria alunos querendo estudar ali. Eu acho que a melhor busca e aplicação do dinheiro é pra isso, e não ficar buscando tecnologicamente por plataformas e outros programas. Temos que pensar em nossos estudantes no agora”, reforça Maria da Graça.
Estudantes, pais e comunidade escolar em defesa do Instituto de Educação
Luciana Assis Brasil, mãe do estudante João Pedro, 13 anos, do 7º ano, e presidente do Circulo de Pais e Mestres (CPM), relata que a luta pela escola é constante e que a comunidade está engajada para mudar essa realidade momentânea da instituição.
“Ficamos desgastados, porque estamos nessa luta um bom tempo. Primeiro era pela reforma que o prédio que estava precisando, precisava de um restauro. Nos fizeram uma promessa de 18 meses. E isso nunca aconteceu, a gente nunca mais voltou e agora vem a notícia que o prédio pode ter outro fim. E a comunidade escolar é completamente ignorada, desprezada e não querem nem saber de conversar conosco. Não sabemos se toda a comunidade volta, com o projeto do governo, e queremos que todos estudantes voltem”, reforça Luciana.
Pais, mães, responsáveis e amigos do IE fizeram um movimento em defesa da escola. Trata-se de um abaixo-assinado, que exige do governo a garantia da continuidade do restauro e o retorno da comunidade escolar para o prédio histórico do Instituto.
“Estamos com com quase 7 mil assinaturas. A nossa intenção é ter uma reunião com a secretária ou até com o governador e levar até eles essa assinaturas e até o Ministério Público. Estamos engajados nessa luta, e iremos lutar até o fim”, destaca Luciana.
“É muito triste, dói bastante no coração. Eu fiquei somente meio ano lá no prédio da Osvaldo Aranha. E quando a gente teve que sair de lá, eu estava perdendo a minha segunda casa. É triste, é um descaso com a gente como ser humano e como cidadão de Porto Alegre”, desabafa Laura Gomes Oliveira de Souza, 16 anos, estudante do 1º ano do ensino médio e do magistério.
Laura ainda destaca a insatisfação com o governo de Eduardo Leite. “É um descaso muito grande com os funcionários públicos, com os professores, com a escola, com os alunos e com o funcionalismo que é muito importante para o Rio Grande do Sul. É deprimente ver tudo o que está acontecendo em nosso Estado.”
Mas apesar da estudante ver toda a desvalorização dos professores no Rio Grande do Sul, com salários congelados há 7 anos, mesmo assim Laura sonha em ser professora e poder colocar em prática essa linda e necessária profissão.
“Eu acredito que a educação transforma as pessoas. Na sala de aula é possível fazer qualquer coisa. Tu me ensina qualquer coisa, tu cria, tu transforma as pessoas dentro da sala de aula. Isso me fascina”, conclui a futura professora.
Ato Público em Defesa do IE
No dia 6 de novembro, o Instituto realizará um Ato Público com a comunidades escolar, estudantes, pais, educadores e convidados de diversas entidades.
A mobilização acontecerá às 15h30, em frente à escola. O objetivo é chamar atenção da sociedade para o descaso do governo Leite com a instituição.
“Todos educadores de Porto Alegre estão convidados a participar desta importante mobilização, que visa a defesa do Instituto de Educação, e também a defesa da Educação Pública”, destaca Helenir.