Ao contrário do que propagam os defensores da Reforma Administrativa do governo Bolsonaro, a PEC 32/2020 não atinge apenas futuros servidores. Os servidores atuais também sofrerão impacto, já que a proposta mexe com questões como progressão por tempo de serviço, sem distinção.
A proposta, como foi apresentada e tramita até o presente momento, não reorganiza o Estado, mas destrói o modelo atual, trazendo lógicas do setor privado para a administração pública, sem levar em conta o papel constitucional do Estado brasileiro na garantia de serviços públicos.
As regras de avaliação de desempenho, que não ficam claras na proposta, podem colocar em risco a estabilidade dos servidores atuais, principalmente se levarmos em consideração que ela poderá ser feita seguindo critérios subjetivos e por pessoas estranhas ao cargo. Lembrando que a avaliação já está prevista em lei, só precisa ser regulamentada. Alterar diversos pontos da Constituição apenas para estabelecer normas de avaliação de desempenho é temeroso.
Como dissemos, a demissão de servidores por mau desempenho já está na Constituição. O único motivo para demissões fundamentadas pela PEC seria por questões políticas. Assim, a liberdade dos servidores fica ameaçada.
Usemos como exemplo a educação pública. Além do impacto negativo da alta rotatividade de professores, com a PEC, estados e municípios podem passar a gestão de escolas públicas para empresas privadas, inclusive para a contratação de pessoal.
O que acontece com o piso salarial dos professores em uma gestão privada? Para onde irão os recursos do Fundeb? Além disso, a PEC abre caminhos para livre nomeação de pessoas sem prestação de concurso público, inclusive para cargos de coordenação no Inpe e no FNDE.
A PEC cria dois “grupos” de servidores regidos por regimes distintos: os futuros e os servidores atuais. O grupo antigo, inevitavelmente, passará a ter relevância menor para o governo. Essa questão pode influenciar negativamente o grupo mais antigo em questões como licença capacitação ou correção do salário pela inflação, já que é mais fácil e barato calcular o reajuste para o grupo menor.
Ana Claudia Farranha, que é professora da Faculdade de Direito da UnB, explica que a estabilidade e o Regime Jurídico Único foram pensados justamente para corrigir as distorções existentes nos anos 80, diante dos muitos vínculos existentes, até então, com o Estado. Ela afirma que a aprovação da PEC trará uma série de ações ajuizadas em busca de isonomia.
“A PEC gera um vazio jurídico significativo, que vai gerar uma confusão”, diz. Esse vazio é corroborado inclusive pelas novas formas de contratação e possibilidade de terceirização, já que as pessoas exercerão as mesmas funções com garantias diferentes.
Para Vladimir Nepomuceno, que é assessor da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, a Reforma pretendida pelo governo Bolsonaro não se resume à PEC 32, que apenas abre portas para movimentos futuros. Ele acredita que a PEC transforma, se aprovada, todos os cargos existentes na Administração Pública em cargos em extinção.
Isso aconteceria porque, à medida que não se realizariam mais concursos públicos para esses cargos (salvo o das carreiras típicas de Estado), eles acabariam extintos com a aposentadoria dos últimos ocupantes de cada cargo. Esse fator também traz impacto negativo à Previdência dos servidores, que se tornaria insustentável a longo prazo, exigindo uma contribuição maior dos servidores.
Para os próximos passos, a professora Farranha acredita ser mais vantajoso apostar na desidratação da PEC, principalmente em ano pré-eleitoral. “O deputado que defende uma proposta dessa tem que acreditar que está com muita bala na agulha para se manter onde está”. O cenário para ela, é incerto, já que a proposta será implementada, efetivamente, por quem estiver no poder, inclusive nos estados.
Já se observa, conforme a proposta tramita na Câmara dos Deputados, um arrefecimento na defesa da proposta pelos parlamentares. A esperança é de que, na medida em que avança, a proposta perca seus pontos mais controversos e chegue ao final da tramitação praticamente sem efeitos para o Estado e o serviço público.
(Que estado queremos, 14/07/2021)