Durante a Caravana do CPERS, que se estendeu do dia 11 de março até o dia 4 de abril, a Direção Central da entidade visitou todas as regiões do estado, adentrando centenas de escolas e verificando de perto como estão as estruturas da educação pública do RS.
Porém, nenhuma região mostrou um cenário tão devastador quanto o que foi encontrado no Vale do Taquari, em cidades como Encantado, Arroio do Meio, Lajeado e Roca Sales. Foram dois reveses de grandes proporções para esta região, o primeiro, em setembro de 2023, com uma enchente. Já em maio de 2024, o segundo, com mais uma cheia.
Por lá, mesmo após mais de 11 meses da enchente de maio que assolou o estado, o cenário comprova que, embora o nível da água tenha voltado aos patamares normais, a vida, por sua vez, ainda não retomou à normalidade.
Em Encantado, estudantes dividem salas na UERGS
Na EEEF Antonio de Conto, 160 alunas(os) dividem salas de aula com o ensino superior em uma sede da UERGS. A escola está fora de casa desde setembro de 2023, quando uma cheia, que quase cobriu a antiga sede, obrigou todo o corpo docente, funcionárias(os) e estudantes a se deslocarem temporariamente para o município de Relvado.

No local provisório da EEEF Antônio de Conto, o refeitório está exposto ao tempo.
Em maio de 2024, mais um duro golpe. Nas vésperas do início da reforma do local onde se instalava a escola, veio a nova enchente, que cobriu em mais de dois metros o telhado. Em junho de 2024, a escola passou a funcionar na sede da UERGS, em Encantado, de forma provisória, com alunas(os) do ensino fundamental, oriundas(os) de 12 comunidades do entorno do município, dividindo salas de aula, que no período da noite são ocupadas por estudantes do nível superior.
A falta de um espaço próprio coloca a comunidade escolar da Antônio de Conto em uma posição de visitantes. Não há liberdade para modificar o espaço, para arranjar as coisas de uma forma diferente e até mesmo para buscar soluções para o refeitório, hoje, improvisado em um local exposto ao tempo, seja quente, frio ou chuvoso.
Atualmente, a escola aguarda a doação de um terreno para que seja construída uma nova sede, mas não há previsão de quando isso ocorrerá.
Cenário na EEEB Padre Fernando, em Roca Sales, é desesperador
Ao entrar onde antes funcionavam salas de aula, refeitório, cozinha e sala de professoras(es) da EEEB Padre Fernando, em Roca Sales, constatamos cenas difíceis de serem assimiladas como realidade. É quase impossível acreditar que, mesmo 11 meses após as cheias de maio do ano passado, ainda seja possível passar por um local onde as paredes e os objetos mostram que, na verdade, a enchente ainda não passou.
Classes e cadeiras empilhadas e cobertas por um barro sólido, o chão, parte de madeira e parte de piso frio, agora, é uma mescla entre poeira, terra e detritos. O pátio está completamente coberto por um matagal, enquanto o que antes era forro do telhado se acumula em pilhas de entulho.
O cenário de destruição se explica quando constatamos que a escola fica a 10 metros de caminhada do Rio Taquari, corpo d’água que registrou o nível de 33 metros em maio de 2024. Hoje, na data de redação desta matéria, o Rio está em um nível considerado normal, batendo os 12 metros.
Enquanto a antiga sede da escola fica esquecida às margens do rio, como um museu da tragédia que mudou para sempre o Rio Grande do Sul, a atual situação das(os) estudantes é preocupante.
Ocupando salas onde um dia foram ministradas aulas de catequese, em um anexo ao salão Paroquial da Igreja Matriz São José, 215 alunas(os) estão desamparadas(os) em um local sem a estrutura adequada para uma escola.
Salas com 30 ou mais estudantes possuem somente uma basculante, enquanto as(os) alunas(os) dividem um único banheiro. Para auxiliar nesta demanda, dois banheiros químicos foram instalados no local.
Além de todo o problema estrutural, a escola também tem carência de educadoras(es). Faltam professoras(es) de química e física, profissionais dos setores de supervisão, orientação e limpeza.
Para sublinhar a situação de forma dramática, é preciso lembrar que boa parte das(os) trabalhadoras(es) da escola também foram atingidas(os) pelo desastre.
Três datas, três empreiteiras, nenhuma solução: o impasse do CE Castelo Branco
Uma escola tradicional, com 940 alunas(os), está aos pedaços! Também localizada próxima ao Rio Taquari, a pouco mais de 300 metros da margem, a escola foi invadida pela água em 2023 e, novamente, em 2024. Hoje, a CE Presidente Castelo Branco, em Lajeado, encontra-se em reforma, mas a obra não dá sinais de avanço.
Algumas das salas da escola estão sem assoalho, revelando um vão que dá para o porão. Outras, estão sem piso, retirado para a instalação de um novo. Na pintura, nada foi feito. No pátio, acumulam-se entulhos e restos de materiais.
O que mais assusta na situação da Castelo Branco é que a atual prevista para a entrega da obra, que já é a terceira data sinalizada pelo governo, é somente para agosto deste ano. Na visita do CPERS ao CE, apenas um trabalhador da empresa contratada para a reforma estava no local, sendo que esta é a terceira empreiteira que assume a obra.
Alguns dos materiais entregues para serem utilizados na reestruturação do local já estão inclusive vencidos ou foram mal-acondicionados, tornando-se inutilizáveis. A empresa contratada segue a lógica dos editais do governador Eduardo Leite (PSDB), sendo baseada no Rio Grande do Norte e sem nenhum vínculo com a região do Vale do Taquari.
Hoje, as(os) alunas(os) estão realocadas(os) em espaços da Univates, uma universidade privada, onde a estrutura está longe do ideal. Por lá, as(os) educandas(os) não possuem um ginásio de esportes e nem laboratórios. Além disso, esse espaço provisório fica a 4 quilômetros do local da Castelo Branco, localizando-se em outro lado da cidade, afastando a comunidade escolar do bairro que sempre a abraçou.
As marcas nas paredes da EEEM Guararapes não deixam a enchente ser esquecida
Severamente afetada pelas cheias, a EEEM Guararapes, em Arroio do Meio, ostenta até os dias de hoje as marcas da tragédia nas paredes do andar térreo da instituição. Piso, paredes, portas e janelas, além do muro da escola, foram afetados pela água. Na última semana, durante a visita do CPERS, foi publicado um edital para a realização dessas reformas, pendentes há quase um ano.
Além dos problemas estruturais, que não são poucos, a escola conta ainda com uma carência de profissionais, professoras(es) e funcionárias(os). As disciplinas de física, química, biologia e matemática não têm educadoras(es) suficientes, enquanto na limpeza, das três pessoas que deveriam estar realizando o trabalho, somente uma está no quadro da escola.
A situação da merenda é a mesma verificada em diversas regiões do estado. Funcionárias(os), que são terceirizadas(os), já tiveram salários atrasados em mais de 15 dias e também estão em número insuficiente.
As marcas do nível da água, os destroços e os espaços improvisados não permitem que a enchente seja superada
No olhar de cada educadora(or), em cada sala de aula deslocada de seu lugar original, em cada aluna(o) longe da escola que um dia foi a sua, em cada uma dessas pessoas e lugares é possível sentir a dor de uma tragédia.
A comunidade escolar de toda a região do Vale do Taquari está relegada ao esquecimento por parte do poder público. Agora, um ano depois, quando os holofotes estão longe da região, ficaram os problemas, as soluções improvisadas e as esperas por uma ajuda definitiva que nunca vem.
A Caravana do CPERS teve como meta alcançar essas localidades esquecidas pelo governador Eduardo Leite (PSDB), a fim de expor a dura realidade vivida por essas comunidades. É preciso buscar uma solução definitiva para essas escolas — não um paliativo ou um simples remendo. É necessário encerrar esse capítulo, para que, enfim, a enchente possa ser deixada para trás.