A PEC 241 e as três teses liberais equivocadas sobre o Estado brasileiro (parte III)


  1. O Estado brasileiro é contra o mercado?
    Ora, a índole liberal (mais que social!) do Estado brasileiro faz com que ele seja, historicamente, mais perfilado a atender os interesses do Capital e do processo de acumulação capitalista. Dessa forma, ficam relegados a um segundo plano os interesses diretos e imediatos de sua população – a grande maioria, aliás – ainda hoje distante ou alijada da cidadania efetiva e do desenvolvimento integral.
    Ao contrário do que pretende a manipulação liberal, o capitalismo brasileiro (como qualquer outro, diga-se de passagem) é altamente dependente da capacidade do Estado em mobilizar e canalizar seus recursos e instrumentos de políticas públicas em favor do processo de acumulação de capital, em bases privadas.
    Não obstante, como demonstrado pela – curta, mas exitosa – experiência recente de desenvolvimento no Brasil (2003 a 2013), houve combinação virtuosa de decisões e políticas públicas que tornaram possível realizar, em simultâneo, aumento de renda per capita e redução das desigualdades de rendimentos no interior da renda do trabalho, cf. Gráfico 3 abaixo.
    Ocorre que tal combinação de fenômenos, tida como situação desejável, não é obra do acaso ou da atuação de livres forças do mercado. Requer, ao contrário, certa combinação virtuosa e longeva de decisões e de políticas públicas, orientadas a objetivos complementares e compatíveis, propícias ao crescimento econômico, ao combate à pobreza e à redução das desigualdades.
    Nestes termos, como sustentar tal trajetória ao longo do tempo sem um Estado ativo e capaz, direcionado ao desenvolvimento nacional? Enfraquecer as capacidades (financeiras, legais, de recursos humanos, etc.) do setor público tem o sentido de provocar um enorme retrocesso em relação às disposições previstas na Constituição e às necessidades da grande maioria de nossa população.
    II. Bases para um Estado ativo e capaz.
    Sem a pretensão de esgotar ou detalhar em demasia o assunto, é possível resumir – pelo quadro 2 abaixo – alguns dos princípios gerais a orientar uma reforma do Estado brasileiro no século XXI, de natureza republicana, democrática e desenvolvimentista.
    Para além dos princípios gerais acima sugeridos, há evidentemente uma agenda de reformas concretas inadiáveis, que aqui apenas se enunciam de modo não exaustivo, já que a concertação política necessária à sua viabilidade institucional e implementação no âmbito do Estado brasileiro, depende obviamente da restauração democrática de fato e de direito.
    São elas:
    – Areforma tributária e fiscal: progressiva na arrecadação e redistributiva nos gastos. Estudos têm evidenciado a necessidade de ampliar a incidência de impostos sobre as rendas elevadas, o capital e o patrimônio, acompanhada da diminuição relativa da tributação sobre o consumo.
    – Arevolução técnico-científica-produtiva: ancorada nos fundamentos da sustentabilidade, com ênfase em educação ambiental desde a primeira infância, produção e difusão de tecnologias limpas, promotora de encadeamentos inovativos de amplo alcance. Para tanto, busca-se a inovação produtiva e institucional de processos e produtos, ambiental e humanamente sustentáveis.
    – A reforma do sistema político: a reforma do sistema representativo e de partidos políticos, o fortalecimento dos instrumentos de democracia direta e dos mecanismos coletivos de participação e deliberação, a democratização dos meios de comunicação e do sistema de justiça.
    – A revolução na cultura dos direitos: institucionalização e substantivação dos direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais.
    É esta a aposta (e a utopia!) analítico-interpretativa sugerida por este texto, e é essa a aposta político-institucional de construção coletiva que os governantes brasileiros deveriam se impor neste século XXI.
    Nota
    [1] O máximo do escárnio está, contudo, no item 25 da Exposição de Motivos: “Trata-se, também, de medida democrática. Não partirá do Poder Executivo a determinação de quais gastos e programas deverão ser contidos no âmbito da elaboração orçamentária. O Executivo está propondo o limite total para cada Poder ou órgão autônomo, cabendo ao Congresso discutir esse limite. Uma vez aprovada a nova regra, caberá à sociedade, por meio de seus representantes no parlamento, alocar os recursos entre os diversos programas públicos, respeitado o teto de gastos. Vale lembrar que o descontrole fiscal a que chegamos não é problema de um único Poder, Ministério ou partido político. É um problema do país! E todos o país terá que colaborar para solucioná-lo.” (grifos nossos)

Fonte: Carta Maior

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