Os direitos humanos e o mundo do trabalho


Os direitos humanos, como um conjunto de garantias universais centradas na dignidade humana, estendem-se também ao mundo do trabalho.

Trabalhadores e trabalhadoras estão sujeitos às mais variadas formas de violações de direitos humanos: jornadas exaustivas em condições precárias e tratamento degradante são exemplos, assim como a negação do direito humano à seguridade social.

Isso porque a base dos direitos humanos é também a defesa dos direitos econômicos e sociais e sua progressividade em aplicação, como prevê o Pacto Internacional de Direitos Econômico e Sociais.

Criado há 50 anos para promover e defender os direitos humanos no Brasil, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos é um órgão de caráter autônomo e de composição paritária, formado por 11 representantes do poder público (quatro do Legislativo, quatro do Executivo e três do sistema de justiça) e outros 11 da sociedade civil. Em sintonia com essa perspectiva, foi criada a Comissão Permanente Direito ao Trabalho, à Educação e à Seguridade Social.

Seu objetivo é receber e examinar denúncias de violações dos direitos humanos no mundo do trabalho e propor aperfeiçoamento das políticas públicas relacionadas a esses direitos, tendo em vista a garantia de direitos sociais trabalhistas previstos na Constituição Federal e em diversos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário.

O CNDH compreende a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, a chamada reforma da Previdência, como uma ameaça de violação dos direitos humanos.

Assim, reforça a recomendação direcionada ao presidente da República, Michel Temer, para que retire a referida proposta, e ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, para que suspenda a tramitação da proposta no Congresso Nacional até que haja uma escuta ampla e democrática da sociedade.

A partir de entendimento semelhante, o CNDH também aprovou recomendação sobre a reforma trabalhista (PL 6787/2016), que promove mais de 100 alterações na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

A recomendação é direcionada ao presidente da República, para que retire o projeto, e aos presidentes da Câmara, do Senado, da Comissão Especial da Reforma Trabalhista e ao Relator do PL, para que o projeto tramite em rito ordinário, passando pelas diversas comissões relacionadas à temática, garantindo o debate público diante das profundas alterações propostas no âmbito da CLT.

Como órgão que zela pelo cumprimento das normas constitucionais e infraconstitucionais relacionadas à promoção e defesa dos direitos humanos no Brasil, bem como dos tratados internacionais sobre o tema ratificados pelo Brasil, o CNDH possui não apenas a prerrogativa, como também o dever de se manifestar sobre as reformas trabalhista e previdenciária.

Em nosso entendimento, as duas propostas constituem um conjunto de medidas que violam direitos humanos dos trabalhadores brasileiros e consubstanciam atroz retrocesso social, ao dificultar o acesso ao pleno exercício da seguridade social e ao retirar e/ou enfraquecer inúmeros direitos fundamentais trabalhistas.

As medidas de responsabilidade fiscal do Estado devem ser tomadas, desde que esteja resguardado o custeio constitucionalmente previsto dos direitos humanos fundamentais. Não há dúvidas de que as medidas em questão atingem frontalmente o princípio do não retrocesso social.

Registre-se que a posição do CNDH está dentro do contexto de extrema preocupação, de outras instituições, nacionais e internacionais, com os retrocessos em andamento em matéria de conquistas de direitos, seja na esfera previdenciária, trabalhista, ou no âmbito dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.

É o caso da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), ligada ao Ministério Público Federal, que emitiu nota técnica que revela a incoerência normativa e o retrocesso social presentes na referida reforma, e da Organização das Nações Unidas (ONU) que, por meio do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) na América do Sul, alertou que as discussões sobre alterações da legislação brasileira têm desconsiderado os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, signatário da maioria dos acordos de direitos humanos.

A preocupação manifestada pelo CNDH e pelas demais instituições prova ser alarmante quando, em março, o governo brasileiro votou contra resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU que renovava mandato para monitoramento dos impactos das políticas fiscais sobre os direitos humanos.

Trata-se de uma sinalização clara de que as reformas pretendidas são, de fato, violadoras dos direitos humanos. Caso contrário, não haveria motivos para ser contra o monitoramento.

*Presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, advogado, e integrante da Coordenação da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil.

Fonte: Carta Capital

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