“Me sinto muito cansada, já teve dias em que chorei de dor. Mas não tenho como deixar de ajudar meus colegas a atender as crianças”, conta Neila Winck, funcionária da escola Vera Cruz, situada no bairro Glória, em Porto Alegre. Além do trabalho de limpeza da instituição, ela auxilia na cozinha, lavando a louça e servindo as refeições, e faz o trabalho que seria de um monitor, cuidando as crianças na hora do recreio e na entrada e saída de pessoas na escola.
O acúmulo de funções tem se tornado rotina entre os funcionários(as) de inúmeras escolas da rede estadual. As instituições carecem de profissionais em cargos essenciais como servente, merendeira, manutenção e monitor(a), reflexo da não realização de concurso público. O último foi realizado em 2014 e não contemplava os cargos de merendeira e servente. Para estes, o último certame foi realizado durante o governo Olívio Dutra.
Colega de Neila, a merendeira Noeli Ferreira conta que está há quatro meses sozinha no refeitório, contando com a ajuda dos demais profissionais para conseguir dar conta da demanda diária de trabalho. “Tenho que fazer a comida, servir, lavar a louça e deixar a cozinha em ordem. Muitas vezes não dá tempo nem de tomar um copo de água. No final do dia estou muito cansada”, afirma.
Vendo a sobrecarga de trabalho das funcionárias da escola em que estuda, a aluna Eduarda de Oliveira Rodrigues, de 13 anos, não pensa duas vezes em ajudar. “Vejo que ela está sozinha tendo que fazer a comida e limpar tudo, então eu ajudo, não custa nada”, diz enquanto limpa as mesas do refeitório.
A vice-diretora da instituição, Fernanda Groth, conta que a escola, que atende a 485 alunos, está com falta de uma merendeira, um monitor e um profissional para o setor financeiro, além da falta de supervisor(a), orientador(a) e professor(a) de matemática.
“Essa situação é muito ruim, porque acabamos deixando de lado outras demandas importantes. Por ajudarem em outros setores, nossos professores ficam, muitas vezes, sem um minuto de intervalo. Alguns pais procuraram a Seduc para exigir providências, mas eles só dizem que não tem pessoal para mandar no momento e que o processo é demorado”, expõe Fernanda.
Sobre a falta de professores(as), a saída encontrada foi a de revezar o atendimento aos alunos, liberar ou mandá-los para o pátio. “A diretora às vezes dá atividades, mas ela é professora de séries iniciais. Alguns professores de área dão aulas em duas turmas ao mesmo tempo também para suprir a falta”, detalha.
Desvio de função
Para Sônia Solange Viana, diretora do CPERS e coordenadora do Departamento de Funcionários de Escola, profissionais que atuam em funções diferentes daquelas para as quais foram contratados colocam a saúde em risco para suprir falhas do Estado.
“Fornecer merenda de qualidade, manter a escola em boas condições de limpeza e manutenção são responsabilidades do Estado. Enquanto o atual governo desrespeita e invisibiliza funcionários, eles assumem o fardo de garantir que toda a comunidade seja bem atendida. É injusto e cruel”
Governo sinaliza concurso para professores(as), mas esquece dos funcionários(as)
Após as denúncias do CPERS sobre a falta de professores(as) terem eco na mídia, o governo Eduardo Leite enviou para a Assembleia Legislativa um projeto para autorizar a contratação emergencial de 5 mil educares(as), além de sinalizar para a realização de concurso público a partir de 2020. Porém, em nenhum momento foi mencionada a gritante falta de funcionários de escola.
Dados preliminares do questionário lançado recentemente pelo CPERS para mapear as necessidades das escolas já apontam para o tamanho da insuficiência de funcionários(as). Nas 204 escolas que responderam até a manhã de segunda (26), há carência de 429 profissionais.
No interior e na capital, o cenário é de desrespeito e exploração
“O trabalho está puxado. Tem dias que tem um monte de panelas pesadas para lavar e não tenho ajuda alguma. Além de fazer a merenda, limpo toda a cozinha, as salas de aula e os banheiros. Chego em casa com muita dor porque não tenho um minuto de descanso”, desabafa uma funcionária de escola do município de São João do Polesine, que pede para não ser identificada por receio de que a denúncia possa levar à perda do seu contrato.
Ela conta ainda que não são poucas as vezes em que os(as) alunos(as) acabam auxiliando na manutenção da limpeza da escola. “Eles ajudam varrendo a escola, por exemplo, enquanto eu vou recolhendo o lixo, limpando as classes e os quadros”, exemplifica.
Um levantamento feito pelo 6º Núcleo do CPERS, sediado em Rio Grande, aponta que faltam 57 funcionários nas escolas de abrangência da região, sendo 26 serventes, 22 merendeiras, 6 monitores e 3 secretários. O núcleo também compreende os municípios de Rio Grande, Santa Vitória do Palmar, São Jose do Norte e Chuí.
Levantamento feito pelo CPERS está mapeando as necessidades das escolas
Além da carência expressiva de professores(as) e funcionários(as) de escola, o questionário elaborado pelo CPERS também busca identificar problemas estruturais e administrativos, além de escolas ameaçadas de fechamento, turmas reduzidas ou com multisseriação e outras estratégias utilizadas pelo governo que prejudicam a qualidade da escola pública e o processo pedagógico.
Os dados serão compilados e utilizados para divulgar a real dimensão dos problemas da rede estadual de educação. O formulário permanece aberto para receber novas respostas e pode ser preenchido abaixo ou pelo link .