“Quando chove não temos luz e a estrutura é muito precária. Estamos lutando para conseguir um prédio novo. O projeto está pronto há mais de cinco anos e não temos previsão de quando sairá do papel.” Com apenas 23 anos, o cacique Anísio Natalício, da aldeia Tekoá Porã, em Salto do Jacuí conhece profundamente os desafios da sua comunidade e da educação indígena.
Natural da aldeia, Anísio foi um jovem rebelde, que desafiou a vontade do pai – hoje vice-cacique – para completar o Ensino Médio. “Aprendi a ler e escrever sozinho. Ia para a escola na cidade mesmo sem transporte, com chuva e frio. Era muito determinado”, conta. Quando se tornou cacique da comunidade, há três anos, sua primeira conquista foi convencer a Prefeitura a arcar com o translado de estudantes Guarani para as escolas de Ensino Médio no perímetro urbano do município.
Ele é o anfitrião de um encontro que reúne, nesta semana, lideranças e educadores(as) de mais de 40 comunidades Guarani de todo o Rio Grande do Sul. De 7 a 9 de maio, caciques, orientadores(as) e professores(as) se revezam no centro da aldeia – em frente à precária escola de Ensino Fundamental – para narrar suas experiências educacionais e, sobretudo, resistir.
Cortes ameaçam programa de formação
É o quarto encontro no estado organizado pelo programa Ação Saberes Indígenas, criado em 2013 pelo Governo Federal. Gerido pela UFRGS, o projeto trabalha com a formação e qualificação de mais de 300 educadores(as) Guarani e Kaigang. Mas sua continuidade está sob ameaça pela política de congelamento de gastos (a PEC 55 do governo Temer) e os cortes anunciados pelo governo Bolsonaro.
A edição anterior contou com uma verba de R$ 550 mil, enquanto neste ano o evento recebeu apenas R$ 100 mil. O CPERS auxiliou a organização garantindo o transporte de cerca de 50 indígenas da região metropolitana para a aldeia Guarani.
“Trazemos os anseios de cada aldeia, refletimos sobre o papel da escola dentro de cada uma e, assim, fortalecemos o caminho Guarani. O apoio que temos de instituições não governamentais é de extrema importância. Do governo não temos nada. Nem qualificação, nem espaço, nem diálogo”, conta Eloir de Oliveira, professor de Língua Guarani da aldeia Estiva (Tekoá Nhundi), de Viamão.
O segundo dia do evento, nesta quarta-feira (8), foi marcado pela presença da direção estadual e do 22º Núcleo do CPERS (Gravataí). Para Edson Garcia, 2º vice-presidente do Sindicato, a aproximação com professores(as) e funcionários(as) dos povos originários é um movimento urgente.
“Representamos todos os professores e funcionários, independente de cor ou etnia. Estar aqui é simbólico, pois o CPERS tem mais de 70 anos e só com a atual diretoria criou um Departamento de Igualdade Racial. Precisamos aprender com a luta histórica de vocês e exigir que as políticas educacionais respeitem as especificidades e diferenças da cultura de cada povo”, disse.
Para além da precariedade estrutural, a falta de iniciativa do Estado para efetivar políticas adaptadas às particularidades dos povos originários é um dos maiores desafios da educação indígena. “Muitas aldeias lutam para não perder a cultura e, junto com isso, deixarem de existir. E a escola também precisa ter esse papel, de preservar nossa identidade. Esse é um encontro importante porque a gente fortalece nossa união e aprende com o outro”, afirma João Batista de Souza, cacique da aldeia Yvy Ãpoty, de Camaquã.
Por uma gestão indígena do saber
Magali Mendes de Menezes, coordenadora do programa na Região Sul e professora da Faculdade de Educação da UFRGS, explica que o projeto nasceu da luta dos indígenas para garantir momentos de qualificação, operando em forma de rede. “Formamos orientadores em cada aldeia, que disseminam as práticas pedagógicas. Mas o desafio de superar uma concepção branca de escola permanece. Mais do que educadores(as), precisamos de uma gestão indígena”, explica a pesquisadora.
De fato, das cerca de 50 escolas indígenas do estado, apenas uma conta com um diretor natural das aldeias. “A escola diferenciada, para nós, não é seguir o calendário imposto pelo Estado. Chamamos os sábios da aldeia para falar da nossa história e cultura, temos aulas de guarani e português, mas ainda é muito difícil oferecer uma educação de qualidade e fiel à nossa cultura”, pondera Anísio.
Denia Denise Goular, vice-diretora do 22º Núcleo do CPERS, acredita que o Sindicato tem um papel importante a cumprir no fortalecimento das escolas indígenas. “Começamos essa parceria há pouco tempo e ela vai se construindo com base no diálogo e na vivência com as aldeias. A gente só pode defender aquilo que a gente conhece, e estamos crescendo muito com vocês”, avalia.
O encontro continua nesta quinta-feira (9), com a presença de representantes dos governos estadual e federal. “Não temos garantias de conseguir continuar. Encontros assim também são importantes porque nos ajudam a buscar, juntos, formas de resistência e de continuar os movimentos que estão se construindo”, finaliza Magali.