Conversa com o(a) especialista: Ângela Chagas fala sobre a realidade do Ensino Médio no RS


“Não adianta fazer remendo nessa reforma, porque ela impacta profundamente na escola pública e tem impacto para o futuro desses jovens que estão matriculados nas escolas públicas e também impacto significativo na carreira dos professores”.

Esse é um trecho da entrevista do CPERS com a doutoranda em Educação na UFRGS,  Ângela Chagas, uma das autoras do estudo “O Novo Ensino Médio na Rede Estadual do RS: balanço de perdas e danos”, que evidencia aquilo que o Sindicato vem denunciando há anos: o Novo Ensino Médio (NEM) é desestruturante e não garante o direito à educação para quem mais precisa de uma escola pública de qualidade.

 

O estudo, que também conta com a colaboração de Maria Beatriz Luce, professora da Faculdade de Educação da UFRGS, e de Mateus Saraiva, doutor em Educação, revela dados preocupantes. Das cerca de 1.200 escolas de Ensino Médio estaduais, 70% ofertam apenas DUAS, das 24 trilhas do NEM e cerca de 15%, oferecem somente UMA, ou seja, onde está a tão propagandeada “liberdade de escolha” que a reforma proporcionaria? 

>> Clique aqui para conferir o estudo completo

Confira a entrevista completa, em vídeo ou a transcrição em texto logo abaixo, e acesse nossas redes para deixar um comentário relatando como está a situação do Novo Ensino Médio na sua escola!

#RevogaNEM #RevogaNovoEnsinoMédio #RevogaJá

CPERS: Ângela, desde a implementação do Novo Ensino Médio nas escolas estaduais do RS, a Seduc vende o modelo como algo positivo, com a promessa “de liberdade de escolha” para os estudantes com os diversos percursos formativos possíveis. A partir dos dados da pesquisa “O Novo Ensino Médio na Rede Estadual do RS: balanço de perdas e danos”, podemos afirmar que a realidade não é bem essa? 

Ângela Chagas: Desde 2016, quando essa reforma foi proposta via medida provisória, que é uma forma muito autoritária, os pesquisadores da área da educação têm alertado sobre os efeitos desse Novo Ensino Médio, principalmente, para os estudantes que estão matriculados nas escolas estaduais e que representam a maioria das matrículas. Aqui no Estado, a gente tem 82% dos estudantes matriculados nas escolas da rede estadual. E o que a gente tem observado? Lá no começo, os reformistas, os defensores dessas mudanças, falavam que os estudantes teriam essa liberdade de escolha para definir seus percursos formativos, para escolher quais áreas que eles têm mais interesse e que gostariam de aprofundar seus conhecimentos. O que a gente tem visto, o que essa pesquisa mostra, é que os estudantes, na prática, têm uma limitadíssima liberdade de escolha ou até não têm escolha. Porque os dados que nós publicamos mostram que, em mais de 150 escolas da rede estadual, a gente tem a oferta de apenas uma trilha de aprofundamento do Novo Ensino Médio. Então, qual é a liberdade de escolha dos estudantes que estão matriculados nessas escolas?

CPERS: Qual o panorama da oferta dessas trilhas nas escolas aqui no estado? 

Ângela Chagas: Esse é um outro dado que também é bem preocupante, que é a realidade dos pequenos municípios do Rio Grande do Sul. Em 85 municípios, que contam com apenas uma escola estadual de Ensino Médio, é ofertada apenas uma trilha. Então, são pequenas localidades que se o estudante não gostou daquela trilha, daquele aprofundamento que está sendo ofertado, ele não tem opção nem em outra escola, porque ele teria que se deslocar para outro município. Isso acaba reforçando o desinteresse dos estudantes pela escola e até mesmo a evasão escolar, que é um dos pontos que os defensores dessa reforma dizem que o Novo Ensino Médio vai combater. E é justamente o oposto do que eles defendem que está acontecendo nas escolas da rede estadual.

CPERS: Na pesquisa vocês aposentam uma “fragmentação” do ensino como uma das consequências desse Novo Ensino Médio, o que isso significa? 

Ângela Chagas:  Os dados da pesquisa mostram que a gente teve um esvaziamento e uma fragmentação do currículo do Ensino Médio. Por que esvaziamento? Porque com o teto de 1.800 horas, que as escolas têm para a formação geral, de um total de 3.000 horas do Ensino Médio, aqui no Rio Grande do Sul a gente vê uma redução significativa nos períodos de aula que os estudantes têm de português, de matemática, de física, química, biologia, história, geografia, enfim, de praticamente todos os componentes curriculares do Ensino Médio. E no lugar disso, a gente tem a imposição dessas trilhas de aprofundamento, que, na prática, não estão articuladas com a formação geral. Então, elas acabam fragmentando, porque um estudante hoje matriculado no segundo ano do Ensino Médio, ele tem 19 matérias. Então ele tem que ter caderno para dizer 19 matérias. 

CPERS: Outro tema que vem afligindo os trabalhadores(as) da educação com a implementação do NEM é quanto as mudanças na matriz curricular e a sobrecarga de educadores(as) e estudantes. Na pesquisa, essa preocupação se confirma? 

Ângela Chagas: Então, os estudantes se veem desmotivados e os professores também estão com uma sobrecarga enorme de trabalhos, porque eles têm que assumir a aula de mais componentes curriculares para dar conta da sua jornada. Eles têm que dar aula em mais escolas, então eles têm uma sobrecarga no trabalho.

CPERS: Com o panorama traçado na pesquisa, já podemos pressupor quais as consequências dessa reforma no ensino público gaúcho? 

Ângela Chagas: Os dados evidenciam que a gente tem um aprofundamento das desigualdades educacionais aqui no Rio Grande do Sul. A gente já vinha apontando que escolas privadas estão mantendo uma formação geral básica sólida para preparar a juventude para o ingresso no Ensino Superior, Enem, vestibulares e na escola da rede estadual a gente tem todo esse esvaziamento e essa fragmentação curricular. O que os dados mostram é que a gente também tem um aprofundamento de desigualdades dentro da própria rede estadual, com escolas mais centralizadas, com perfil de aluno com nível socioeconômico mais alto, que conseguem ofertar um pouquinho mais de opção aos estudantes, mas mesmo assim, de forma muito precária.

CPERS: Ângela, para encerrarmos, tu acreditas que a revogação é o caminho para reverter todo esse cenário? 

Ângela Chagas: Eu entendo e compartilho da visão de grande parte dos pesquisadores da educação de que não adianta fazer remendo nessa reforma, porque ela impacta profundamente na escola pública e tem impacto para o futuro desses jovens que estão matriculados nas escolas públicas e também impacto significativo na carreira dos professores. É preciso, sim, revogar essa reforma! A gente precisa se mobilizar, porque essa reforma é desestruturante da educação e ela não garante o direito à educação àqueles que mais precisam da escola pública, que são os estudantes trabalhadores, os estudantes pobres, os estudantes que precisam de uma educação pública de qualidade.

Notícias relacionadas