CNTE: diagnóstico do MEC sobre o Piso do Magistério corrobora teses de Prefeitos e precisa ser revisto


No dia 29 de março, em pronunciamento na Marcha de Prefeitos, em Brasília, o Ministro da Educação, Camilo Santana, disse que o atual critério de atualização do piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica não confere as melhores condições de segurança orçamentária a Prefeitos e Governadores, e propôs um amplo debate com os atores envolvidos na questão – sobretudo gestores e trabalhadores(as) em educação – para revisar o dispositivo da Lei nº 11.738 que trata do assunto.

A fala do Ministro contradiz decisões do Supremo Tribunal Federal, que já se manifestou pela constitucionalidade do critério de atualização do Piso do Magistério, tendo, agora, o STF, na presente data (31/03), aberto prazo para a União se manifestar sobre a manutenção do disposto no art. 4º da Lei nº11.738/2008, após a nova redação conferida ao FUNDEB pela Emenda Constitucional (EC) nº 108/2020. Em suma: o STF quer saber se a União considera vigente o dispositivo da Lei nº 11.738 que garante a complementação federal ao Piso do Magistério nos estados e municípios que comprovarem incapacidade financeira para honrar esse compromisso. E essa resposta é imprescindível para que a Suprema Corte brasileira julgue em definitivo a plena vigência do art. 5º da Lei do Piso, mesmo após as alterações introduzidas ao FUNDEB permanente (art. 212-A da CF/1988).

Diante desse novo contexto da luta jurídica em torno da vigência do art. 5º da Lei nº 11.738, compete ao Ministério da Educação – MEC e à Advocacia Geral da União – AGU defender a Lei do Piso na íntegra, sobretudo à luz das mudanças no novo FUNDEB que garantiram maior segurança jurídica e mais recursos financeiros para a manutenção da educação básica nos estados e municípios, inclusive para viabilizar políticas de valorização de professores, especialistas e funcionários da educação.

Entre as mudanças introduzidas pela Emenda Constitucional nº 108 e sua lei de regulamentação, as quais devem ser informadas ao STF pela União, destacam-se:

I. a criação de dois novos custos per capita (VAAT e VAAR) que aumentaram em 130% a complementação da União ao FUNDEB, mantendo-se inalterado o critério anterior que destinava 10% de complementação federal aos fundos estaduais abaixo da média nacional;
II. a expansão do número de municípios contemplados com as novas complementações federais, sobretudo os de menor capacidade financeira que passaram a receber o VAAT;
III. o aumento da subvinculação do Fundo para remunerações, passando de 60% (magistério) para no mínimo 70% para todos os profissionais da educação, além da possiblidade de utilização de parte dos recursos que não integram o FUNDEB para essa finalidade;
IV. a criação do ICMS-Educacional, responsável pela transferência de no mínimo 10% de parte da cota do ICMS municipal com base em indicadores educacionais;
V. os ajustes quadrimestrais no VAAF e VAAT, sendo que o primeiro é responsável pela atualização do piso salarial do magistério (fórmula idêntica à do FUNDEB 2007/2020), garantindo, assim, mais previsibilidade à gestão do orçamento público.

Dos novos recursos do FUNDEB, somente o VAAR, que corresponde a 2,5% da complementação da União, além de 15% do VAAT não podem ser investidos nas folhas de pagamento dos profissionais da educação. Ou seja, a maior parte dos novos recursos servem também para financiar o piso do magistério e a valorização de todos os profissionais da educação. Além disso, o governo federal se comprometeu em manter o FUNDEB fora do novo arcabouço fiscal – em substituição à famigerada EC 95 (teto de gastos) – sendo que esta é mais uma possibilidade de ampliação dos investimentos na educação pública, devendo se voltar para a implementação do Custo Aluno Qualidade – CAQ, do Piso Salarial e da Valorização das Carreiras. Outro ganho de receitas para estados e municípios poderem financiar o Piso do Magistério provém da alteração do art. 8º, § 1º, II da Lei nº7.990/1989, realizada através da Lei nº 12.858/2013, que dispõe sobre os recursos provenientes da exploração de petróleo e gás natural, admitindo-se o cômputo de despesas de custeio com manutenção e desenvolvimento do ensino, especialmente na educação básica pública em tempo integral, inclusive as relativas a pagamento de salários e outras verbas de natureza remuneratória a profissionais do magistério em efetivo exercício na rede pública.

Desde o ano passado, os ataques de Prefeitos contra o critério de atualização do Piso do Magistério se intensificaram e não cabe ao MEC, responsável pela correta aplicação da Lei nº 11.738, dar azo a teses contrárias à vigência ou aplicação plena do art. 5º da Lei do Piso, sobretudo neste momento de reabertura do julgamento recursal da ADI 4.848 no STF. Sendo que o mérito da decisão no STF determinou o seguinte em relação à atualização do valor do Piso e ao papel do MEC (item 3 do acórdão/STF):

“(…)3. A previsão de mecanismos de atualização é uma consequência direta da existência do próprio piso. A edição de atos normativos pelo Ministério da Educação, nacionalmente aplicáveis, objetiva uniformizar a atualização do piso nacional do magistério em todos os níveis federativos e cumprir os objetivos previstos no art. 3º, III, da Constituição Federal. Ausência de violação aos princípios da separação do Poderes e da legalidade (…)”

Também no mérito da ADI 4.848, o STF rejeitou os argumentos dos Governadores de que haveria impossibilidade financeira para cumprimento da Lei nº 11.738, tese requentada atualmente pelos Prefeitos junto com o pseudo-argumento de perda da vigência do art. 5º da Lei do Piso em decorrência do novo FUNDEB. Constam no acórdão da ADI 4.848 os seguintes mandamentos: “(…) 4. A Lei nº 11.738/2008 prevê complementação pela União de recursos aos entes federativos que não tenham disponibilidade orçamentária para cumprir os valores referentes ao piso nacional. Compatibilidade com os princípios orçamentários da Constituição e ausência de ingerência federal indevida nas finanças dos Estados.

5. Ausente violação ao art. 37, XIII, da Constituição. A União, por meio da Lei nº 11.738/2008, prevê uma política pública essencial ao Estado Democrático de Direito, com a previsão de parâmetros remuneratórios mínimos que valorizem o profissional do magistério na educação básica. 6. Pedido na Ação Direita de Inconstitucionalidade julgado improcedente, com a fixação da seguinte tese: “É constitucional a norma federal que prevê a forma de atualização do piso nacional do magistério da educação básica.”

Reiteramos, portanto, que compete ao MEC, neste momento crucial do julgamento dos embargos declaratórios da ADI 4.848, posicionar-se em favor da vigência do art. 5º da Lei nº 11.738, independentemente de possíveis alterações futuras na Lei. Quanto às propostas de mudanças no critério de atualização definido no art. 5º da Lei do Piso, importante registrar que há vários projetos de lei em tramitação no Congresso, desde 2008, entre os quais o PL nº 3.776/08, de autoria do Poder Executivo, que estabelece o INPC como única forma de atualização do Piso. A CNTE é contrária a esse projeto, uma vez que ele não prevê qualquer ganho real à categoria. Em 2020, a Câmara dos Deputados retomou a tramitação do PL nº 3.776, mas o recurso que previa o envio do projeto à sanção presidencial foi derrotado por 225 a 223 votos.

Portanto, compete ao Plenário da Câmara dos deputados concluir a votação do projeto de lei, e a CNTE continuará atuando para alterar o conteúdo da proposta em tramitação. O próprio Ministro da Educação, em audiência com a CNTE em 15/02/2023, se comprometeu em restabelecer o “fórum permanente para acompanhamento da atualização progressiva do valor do piso salarial para os profissionais do magistério público da educação básica”, previsto na estratégia 17.1 do Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014), desconstituído durante o Governo Bolsonaro. Contudo, até o momento, não houve a recomposição deste importante fórum. Diante de todo o exposto, a CNTE considera imprescindível que o MEC adote ao menos quatro ações emergenciais em defesa do Piso do Magistério, sobre as quais antecipamos desde já nossa cobrança ao Ministério:

1. convocação imediatamente do Fórum do Piso Salarial do Magistério para tratar da atualização pretérita e futura do valor definido nacionalmente, através da Lei Federal nº 11.738, à qual foi conferida efeito erga omnes vinculando toda a administração pública;

2. ampla defesa jurídica da Lei do Piso, especialmente de seu art. 5º, tanto na justiça comum, onde há várias ações contra as atualizações de 2022 e 2023 com liminares favoráveis e contrárias ao pleito dos Prefeitos, como também em sede do STF, mais especificamente no julgamento dos embargos de declaração à ADI 4.848. E a CNTE aguarda desde o dia 17/02/2023 audiência com a Advocacia Geral da União para tratar desses temas;

3. revisão do parecer nº 1/2023/CGVAL/DIFOR/SEB/SEB, da Secretaria de Educação Básica – SEB, que trata da atualização do Piso do Magistério no exercício de 2023, assegurando fundamentação robusta quanto à plena vigência do art. 5º da Lei do Piso, dada a reprodução na lei superveniente (nº 14.113) dos mesmos fundamentos e critérios estabelecidos na lei anterior (nº 11.494), além de manifestação ao STF defendendo a vigência do art. 4º e de toda a Lei nº 11.738, mesmo após a alteração do art. 60 do ADCT pela EC nº 108/2020; e

4. estabelecimento de critério para a aplicação do art. 4º da Lei nº 11.738, que trata da complementação da União ao Piso nos estados e municípios que comprovarem incapacidade financeira, como forma de reconhecer e antecipar a disposição da União em manter esse importante instrumento do pacto federativo que sustenta a política de valorização mínima dos profissionais do magistério no país, na esteira do que se pretende consolidar com o Sistema Nacional de Educação.

Por fim, é preciso que o MEC articule um amplo debate nacional em torno do Piso e das Diretrizes Nacionais de Carreira para os profissionais da educação, conforme determina o art. 206, V e VIII da Constituição da República, superando a perspectiva de o piso tornar-se o teto das carreiras (fato que já acontece em muitos lugares), a fim de garantir a valorização de todos os profissionais da educação. Também é preciso normatizar o art. 26, § 1º, II da Lei nº 14.113, com redação dada pela Lei nº 14.276, para delimitar com clareza os profissionais habilitados para receberem seus vencimentos através da subvinculação de 70% do FUNDEB.

Muito há que se fazer para melhorar a educação pública brasileira e a valorização de seus profissionais, que continuam a receber os menores vencimentos entre os países pesquisados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. A junção dos interesses e dos compromissos das três esferas de governo em torno da Lei que regulamentará o Sistema Nacional de Educação – a exemplo do que ocorre na política de cooperação federativa do FUNDEB – é um passo importante apontado pelo Ministro da Educação aos Prefeitos. Esperamos que o apoio ao aperfeiçoamento do projeto de Sistema em tramitação no Congresso Nacional e sua consequente aprovação contem com o apoio de todos os gestores públicos, sempre atentos às reivindicações da sociedade e da comunidade educacional.

➢ Em defesa do piso do magistério e de sua atualização pelo critério do art. 5º da Lei nº 11.738!
➢ Pela ampliação ao direito à educação, com Sistema Nacional e Custo Aluno Qualidade, já!
➢ Dia 26 de abril, GREVE NACIONAL em defesa do Piso, da Valorização das Carreiras dos Profissionais da Educação, contra a antirreforma do Ensino Médio e a Militarização Escolar!
➢ Dia 5 de outubro, MARCHA NACIONAL DA EDUCAÇÃO, em Brasília, em defesa da educação pública, gratuita, de qualidade socialmente referenciada, laica, democrática, desmilitarizada, para todos/as e com valorização dos profissionais da educação!

Brasília, 31 de março de 2023
Diretoria da CNTE

Fonte: CNTE

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