Carta aberta da Associação Mães e Pais pela Democracia sobre a manifestação em frente ao Colégio Rosário


A Associação Mães & Pais pela Democracia (AMPD) é uma entidade suprapartidária da sociedade civil que defende, de forma incondicional, a liberdade de expressão, opinião, manifestação e de aprender e ensinar. Inobstante, entende que esses direitos constitucionais, como quaisquer outros, não são absolutos.

Isso porque o Estado deve impor sanções para coibir e prevenir a reiteração de condutas e comportamentos quando ultrapassados determinados limites de civilidade, convivência e urbanidade, a exemplo de manifestação flagrantemente despropositada, resultando na incitação de ódio, na reprodução de preconceitos de todas as ordens e na promoção de possível injúria, calúnia e difamação.

Nesses termos, a AMPD sustenta que o ato público realizado em frente ao Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre, no dia 5 de agosto de 2019, no final da manhã, em tese legítimo e próprio da democracia, infringiu dispositivos legais.

Na oportunidade, um pequeno grupo de políticos – uma secretária municipal, também vereadora na Capital, dois deputados estaduais e candidatos (as) que tiveram seus nomes rejeitados nas últimas eleições –, defensores do movimento “Escola sem Partido”, postaram-se em frente à entrada principal da referida escola. Não por acaso, o ato ocorreu no horário de saída dos(as) estudantes, no 1º dia de aula após as férias de julho, para, deliberadamente, distribuírem panfletos apócrifos, constrangendo menores de idade, nossas filhas e filhos, muitos(as) dos(as) quais tiveram, inclusive, dificultado o acesso à rua e a mães e pais que os(as) aguardavam.

Esses mesmos políticos também empunhavam cartazes em que acusavam o colégio e seus professores(as) de lecionar a ideologia marxista em prol da doutrinação política. Tal acusação, ampliada pelas redes sociais, constitui ato ilegal por se tratar de grave violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A polêmica gerada pela divulgação de um vídeo, ilegalmente gravado em uma sala de aula do Rosário, com menores de idade e compartilhado nas redes sociais, reproduz fragmentos do fato, produzindo notícia falsa que expõe nossas filhas e filhos, de modo acintoso, em cristalina quebra de decoro, no caso dos(as) parlamentares eleitos(as), entre outros ilícitos.

A AMPD crê piamente que é essencial o debate em sala de aula de quaisquer assuntos, tais como política, violência contra a mulher, racismo, lgbtfobia, direitos humanos, entre outros. E esses temas não são de direita ou de esquerda, são de todos. Só assim ajudaremos a formar os(as) cidadãos(ãs) que queremos ver se tornarem nossas filhas e filhos. A escola, como determina a Constituição Federal, o ECA e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), deve valorizar o pensamento crítico e plural, o humanismo e a empatia com o próximo, colaborando com a construção de soluções ainda não vislumbradas em prol de uma sociedade melhor para as próximas gerações. Não desejamos apenas a formação de profissionais técnicos, transformados em “apertadores de botão” em linhas de montagem, alienados em face do que acontece ao seu redor e do que realmente impacta a vida das pessoas. Queremos filhas e filhos criativos, inovadores, engajados e com espírito cívico.

Sempre tivemos com o Rosário, assim como com as demais escolas privadas e públicas em que estão as mães e pais do nosso Movimento, um diálogo franco, direto e respeitoso. Entretanto, esse clima de beligerância que o “Escola Sem Partido” tem fomentado, e que o episódio da última segunda-feira é apenas mais uma página lamentável, concorre para o desvirtuamento do papel da escola na contemporaneidade. Em seus espaços, cabe à escola justamente oportunizar diferentes ideias e pensamentos, abordagens pedagógicas plurais e perspectivas teórico-práticas diversas. Ao incutir nos jovens a ideia de “suspeição” em relação à escola e aos professores, ocorre uma quebra do clima de confiança entre eles, acirrando os conflitos entre os alunos que geram brigas como a que ocorreu recentemente.

Também por isso a escola precisa abraçar ainda mais a diversidade para estimular uma sociabilidade pacífica, com a consciência de que os conflitos fazem parte da escola do século XXI, mas não a violência! Afinal, o bom da democracia é isto: o respeito às diferenças e a pontos de vista divergentes. Ora, segundo nota pública do Marista Rosário esta semana, havia pouquíssimos pais da escola na referida manifestação. Tratando-se de uma instituição privada, por que esses poucos pais descontentes não procuram outra escola, ao invés de procurarem grupos políticos para fazerem manifestações? Não poderia ter havido um diálogo com a Direção da escola como o nosso Movimento faz? A quem interessa esse tipo de manifestação que constrange nossas filhas e filhos em uma das mais tradicionais escolas da cidade? Por fim, qual a legitimidade desse “movimento” que não faz parte da nossa comunidade escolar?

Nós, 600 mães e pais do Colégio Marista Rosário, entre associados e simpatizantes registrados da AMPD, número que cresceu exponencialmente na última semana (e que logo será divulgado) em razão da infeliz e mal planejada manifestação do “Escola Sem Partido”, agradecemos o massivo apoio e confiança recebidos da sociedade porto-alegrense. Dizemos com propriedade que não há doutrinação na escola e que os nossos filhos são felizes porque nela encontram grandes mestres e um espaço acolhedor e afetivo para serem quem são, sem imposição de nenhum pensamento.

A Associação está irmanada com o Sindicato de Professores (Sinpro) e com as entidades que assinaram o Termo de Acordo de Cooperação Contra Assédio Moral de Professores no dia 7 de agosto na sede da ADUFRGS, no âmbito do Fórum de Combate à Intolerância e ao Discurso de Ódio, protagonizado pela PRDC/MPF – inclusive para compreender melhor a situação do professor que fora demitido do Rosário no contexto da briga dos alunos no último dia de aula antes das férias escolares de julho. Ressaltamos, todavia, a necessidade de a escola adotar outros meios de resolução dos conflitos, como as práticas de justiça restaurativa, para que seja possível construir da escola para a sociedade uma cultura de paz, sem ser refém de atravessamentos violentos externos e que têm provocado brigas e violências físicas, para que tenhamos esperança em dias mais seguros, previsíveis e melhores para todos.

Acreditamos na necessidade imperiosa do desenvolvimento de uma política de prevenção às violências na escola. O Rosário precisa se deslocar do polo do problema para o da solução! E para isso sempre terá o apoio da nossa Mães & Pais pela Democracia! Nossa solidariedade e total apoio aos professores! Segue uma mensagem aos alunos e alunas do Rosário: confiem no ensino que recebem nesta escola e respeitem os seus professores, mas nunca deixem de questionar de forma dialógica o que lhes parecer estranho. Vocês são privilegiados de estarem em uma das melhores escolas de Porto Alegre, acreditem!

Carta produzida pela Diretoria da Associação Mães e Pais pela Democracia com apoio da Comissão Jurídica e de Comunicação da entidade a partir de Assembleia Geral realizada em 06 de agosto de 2019.

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