Na manhã desta terça-feira (23), o CPERS realizou uma Aula Pública com o tema “A Escola Meritocrata de Leite, Raquel e Gabriel”, o evento ocorreu no Salão de Atos Thereza Noronha, na sede da entidade, em Porto Alegre, e reuniu professoras(es), funcionárias(os) de escola, especialistas e estudantes em um espaço de diálogo e reflexão sobre os rumos da educação no Rio Grande do Sul.
A manhã de debate concentrou-se no PL 347/2025, projeto apresentado pelo governo Eduardo Leite (PSD), que pretende implantar ainda neste ano um sistema de prêmios e bônus financeiros para gestores e estudantes, atrelado ao cumprimento de metas de avaliação, frequência e desempenho. Sob o título de “Programa de Reconhecimento da Educação Gaúcha”, a proposta mascara a realidade da educação pública no Estado, marcada pela falta de investimentos, pela desvalorização profissional e pela carência de infraestrutura nas escolas.
A presidente do CPERS, Rosane Zan, abriu a atividade destacando a posição contrária da entidade à meritocracia na educação, classificando-a como um modelo excludente, que estimula a competição e divide a categoria, em vez de valorizar coletivamente a classe. “Meta é uma palavra que me arrepia. Vem do meio empresarial, onde se cria competição e, muitas vezes, até o adoecimento de quem está no trabalho”, afirmou.
Rosane também recordou o dia em que o projeto foi anunciado pelo governo, lembrando que sua entrevista à Rádio Gaúcha foi distorcida: “Pensei em como responder, mas percebi que a verdadeira resposta se dá no cotidiano, no chão da escola, quando lutamos por uma educação de qualidade, pública e laica”, ressaltou.
Para ela, a escola pública deve ser um espaço humanizado: “A escola pública é frequentada pelos filhos e filhas dos trabalhadores e trabalhadoras e ela tem que ser humanizada. Por isso, seguiremos na defesa intransigente de uma educação pública, laica, gratuita e de referencial social”, concluiu.
Projeto vago e desigualdade nas escolas
Mateus Saraiva, professor da Faculdade de Educação da UFRGS, criticou o “Programa de Reconhecimento da Educação Gaúcha” anunciado pelo governo do Estado e apontou que a proposta “é maior que os próprios gestores que a apresentam”, já que se trata de um modelo elaborado a partir de referências externas, sem diálogo com o contexto local.
Segundo ele, o Plano Estadual de Educação (PEE) vem sendo sistematicamente ignorado pelos gestores, que chegam a criar novos projetos paralelos em vez de consolidar as metas já aprovadas. O professor também destacou que o Marco Legal da Educação Gaúcha, assim como o processo de eleição de diretores, fragilizam medidas ao concentrar o poder na Secretaria da Educação.
Para ele, o programa de bonificação, previsto para entrar em vigor já em 2025, ainda é vago: contempla diretores, vices e orientadores, mas não especifica se professoras(es) serão incluídas(os). “Como regulamentar algo em curso sem clareza de quem será beneficiado?”, questiona.
A proposta prevê que a escola que alcançar 80% de presença das(os) estudantes receberá 80% da bonificação; se atingir 100%, recebe integralmente. Para Mateus, esse modelo prejudica escolas menores e reforça desigualdades, ao atrelar o recurso a metas que não consideram a realidade de cada comunidade.
Mateus reforça que a educação precisa de projetos fundamentados na ciência. “Esse tipo de proposta do governo Leite, baseada apenas em metas, não tem evidências que apresentem resultados. O que precisamos é de investimento, melhores estruturas e valorização dos educadores”, afirma.
No encerramento de sua explanação, Mateus destacou a relevância da participação ativa de educadoras(es) e da comunidade escolar em qualquer projeto voltado à educação pública. “Precisamos ouvir essas comunidades para compreender quais são as reais necessidades das escolas. No entanto, elas têm sido cada vez mais silenciadas”, concluiu.
“Educação não é competição, educação é coletivo”
Natália Gil, doutora em Educação pela USP e professora da UFRGS, fez uma breve análise sobre a meritocracia, destacando o quanto ela é prejudicial para a educação pública. “Meritocracia é uma ideia que legitima a desigualdade social. É o acúmulo de boas condições ao longo da vida que garante melhores oportunidades para determinados indivíduos”, afirma.
Para a educadora, a lógica neoliberal busca organizar áreas como educação, saúde e segurança a partir de processos que reduzam custos. “Esse é o projeto neoliberal: gastar pouco com a população e oferecer apenas o mínimo”, aponta.
Natália ressalta que não faltam profissionais qualificados e bem formados no mercado, mas sim investimento público. “Quem está na escola tem a sensação de que há algo em falta, mas o que realmente falta é dinheiro. As elites não economizam na educação de seus filhos, elas investem. Já na educação pública faltam pessoas, estruturas, materiais, falta investimento”, critica.
A docente enfatiza que governos não devem colocar educadores em situação de concorrência, mas sim, promover condições de equidade. “Se não partimos das mesmas condições, qualquer competição é injusta. Não podemos falar em meritocracia em um país tão desigual como o nosso”, reforça.
Em sua análise, Natália também fez uma dura crítica ao projeto do governo Leite. “É ineficaz e injusto colocar pessoas em situações tão distintas em competição. Esse discurso é enganoso, funciona apenas como slogan para quem não conhece a realidade da escola, para quem não está no chão da escola”, argumenta.
Por fim, a professora condenou a proposta de bonificação individual. “Essa bonificação individual é péssima, essa competição individual é para nos desmobilizar, nos desagregar. A educação não é isso, educação não é competição, educação é coletivo”, conclui Natália.
Ao final do encontro, foi elaborada uma carta com os principais tópicos discutidos na Aula Pública, reforçando o posicionamento do CPERS de que a meritocracia na educação é um modelo excludente, que estimula a competição e fragmenta a categoria, em vez de valorizar a classe de forma coletiva.
O Sindicato defende a valorização salarial permanente, um plano de carreira efetivo e investimentos em infraestrutura, ressaltando que uma educação de qualidade é construída por políticas que beneficiam toda a rede escolar, e não por premiações pontuais que apenas mascaram a falta de investimento e aprofundam as desigualdades.
O documento será entregue ao governo Leite (PSD) no dia da Assembleia Geral da categoria, marcada para 3 de outubro (sexta-feira), a partir das 13h30, na Casa do Gaúcho, em Porto Alegre.
>> Confira, abaixo, mais fotos da Aula Pública: