Na luta para manter o veto do Executivo ao PL 170, que trata do Ensino Domiciliar (Homeschooling), o CPERS, movimentos estudantis e demais entidades educacionais entregaram nesta terça-feira (17) manifesto aos deputados(as) na Assembleia Legislativa.
O projeto, aprovado no dia 8 de junho por 28 votos a 21 na Assembleia Legislativa, foi vetado pelo governador após pressão conjunta das entidades.
Mas o veto deve ser analisado pelos deputados(as) na próxima terça-feira (24).
Para o CPERS, o chamado Homeschooling é um ataque frontal ao direito à educação de qualidade, além de um projeto inconstitucional, conforme entendimento da própria Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
Trata-se de uma agenda que atende uma minoria em detrimento das reais necessidades da educação e da sociedade. Se o veto for derrubado, teremos uma Lei que subverte o dever do Estado em prover educação e que poderá ter consequências graves para o futuro do Rio Grande do Sul.
“É importante a manutenção desse veto porque o Homeschooling hoje significa retirar verba pública do Fundeb, por exemplo, para a manutenção das escolas públicas”, afirmou a presidente do CPERS, Helenir Aguiar Schürer.
Presidente @HelenirSchurer pedindo ao ex-deputado Celso Bernardi, presidente do PP estadual, para que o partido oriente a bancada a manter o veto do Executivo ao Homeschooling.
De quebra, recebemos apoio à #ReposiçãoJá! Agradecemos, mas vamos cobrar a promessa 😉 pic.twitter.com/GO2XeCC3Ju
— CPERS (@Cpersoficial) August 17, 2021
A presidente Helenir também denunciou a incoerência do deputado Fábio Ostermann (NOVO), proponente do PL 170, ao defender o Ensino Domiciliar mas também as aulas presenciais quando o Rio Grande do Sul apresentava altos índices de contaminações e óbitos por Covid-19.
“O próprio deputado que apresenta o Homeschooling é o mesmo que fez todo o movimento de que lugar de criança é na escola, quando nos forçava a voltar com as aulas presenciais no momento que a pandemia estava em alta. Ele vai ter que decidir se quer crianças nas escolas ou em casa”, asseverou a presidente Helenir.
“Os neoliberais do Partido Novo, que são violentos contra a democracia e o Estado, querem acabar com a educação pública. Estamos neste corpo a corpo explicando por que precisamos ser contra o Homeschooling. A escola é o convívio social das relações e a compreensão das dimensões de como o ser humano se relaciona com a sociedade”, destacou o vereador Jonas Reis (PT).
Para a deputada Sofia Cavedon (PT), o Ensino Domiciliar aprofunda as desigualdades.
“A nossa grande luta é que todos tenham direito à educação pública, laica e de qualidade social, sem barreiras, rupturas ou violações. É simbólico que a gente mantenha o veto, porque há iniciativas em diversos municípios como Porto Alegre e Rio Grande, que se articulam em defesa do Homeschooling, o que representa um grande retrocesso”, frisou.
O vice-sul da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), Alejandro Guerrero, entende que o Homeschooling deslegitima o papel social da escola.
“A gente entende que o Ensino Domiciliar representa um retrocesso para a educação pública de qualidade, mascara outros problemas mais urgentes para o ensino, aumenta a desigualdade social e ataca a liberdade dos professores e trabalhadores da educação”.
“É importante o veto ser mantido, pois o Homeschooling é inconstitucional. A gente entende que muito dessa política da educação domiciliar pode acarretar mais uso de recursos públicos dos municípios. Quem vai organizar esse atendimento domiciliar? A gente acredita que irá recair sobre os municípios essa responsabilidade”, explicou Charles Santos, membro da diretoria da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme).
Na ocasião, também estavam presentes representantes da Associação dos Orientadores Educacionais do Rio Grande do Sul (AOERGS), União Estadual dos Estudantes (UEE) e Movimento kizomba.
Oito razões para dizer NÃO à Educação Domiciliar
1- COMPROMETE O DIREITO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES À CONVIVÊNCIA SOCIAL E AO ACESSO A CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS E HUMANÍSTICOS E VISÕES DE MUNDO
Para além daquelas defendidas pelas doutrinas religiosas e políticas de suas famílias. Esse direito foi reafirmado pelo Parecer nº 34/2000 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação(CEB/CNE) e pelas decisões históricas do Supremo Tribunal Federal em julgamentos de 2020, referentes a ações que tratam de leis inspiradas pelo movimento Escola sem Partido. As crianças e adolescentes não são propriedades de suas famílias
2- OCULTA E AUMENTA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A EXPLORAÇÃO SEXUAL
A não obrigatoriedade de frequência à escola inviabiliza a identificação e encaminhamento de casos e amplia as possibilidades de ocorrência de violência doméstica e sexual. Cerca de 70% dos autores de agressões contra crianças e adolescentes são integrantes da família. Em 2020, durante o isolamento social e o fechamento de escolas, acarretados pela pandemia, o Brasil atingiu o maior número de denúncias de violência contra crianças e o adolescentes desde 2013 por meio do Disque 100. Foram 95.247 denúncias, uma média de 260 novos casos a cada dia. A educação domiciliar não protege as crianças e adolescentes da violência.
3- AUMENTA A INSEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL
A pandemia evidenciou o papel da escola como a política pública mais capilar e cotidiana, estratégica para o acesso a outros direitos e o enfrentamento das desigualdades. O Programa Nacional de Alimentação Escolar é uma das mais relevantes políticas voltadas à garantia do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas via escola. Para muitos estudantes, é na escola que se faz a única ou a principal refeição do dia.
4- ROMPE COM A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva foi uma conquista pela igualdade ao acabar com a segregação de estudantes em escolas e classes especiais prevendo como um direito das crianças e adolescentes com deficiência a frequência às escolas regulares. A aprovação da modalidade da educação domiciliar pode favorecer que crianças com deficiência sejam retiradas da escola e, com isso, do convívio social, ou, ainda, legitimar que instituições recusem a matrícula desses estudantes.
5- APROFUNDA AS DESIGUALDADES EDUCACIONAIS
A educação domiciliar não é uma alternativa viável para a maioria da população brasileira, já que requer condições de funcionamento indisponíveis em boa parte dos lares. Trata-se, assim, de um projeto elitista, sem interesse coletivo e com baixa demanda social. A escola é o local de oportunidades igualitárias para novas aprendizagens, de interação e respeito às diversidades.
6- ESTIMULA A EVASÃO ESCOLAR
Como forma de combater a evasão, a estrutura escolar prevê o acompanhamento e a busca ativa de estudantes com queda de frequência. Já a educação domiciliar aumentará o distanciamento entre estudantes e Estado, dificultando a identificação de evasão e a implementação de estratégias de busca ativa. Segundo pesquisa do Conselho Nacional de Juventude (2020), 28% dos jovens que evadiram em decorrência da pandemia não pretendem retomar os estudos quando houver retorno presencial. Neste contexto de aumento de evasão, a prioridade de alocação de recursos e pessoal deve ser o fortalecimento das escolas públicas e das políticas de busca ativa, não um distanciamento ainda maior Estado-estudante.
7- FRAGILIZA A DEMOCRACIA E A CIDADANIA
A pandemia evidenciou a importância da escola e dos espaços de socialização de crianças e adolescentes. A escola é um espaço fundamental para a construção de uma sociedade democrática ao possibilitar o convívio social. É nela que estudantes aprendem a reconhecer e respeitar as diferenças e a conhecerem outras visões de mundo. Privar crianças e adolescentes do direito à escola é restringir o exercício da cidadania.
8- ONERA OS COFRES PÚBLICOS PARA UMA BAIXA CAPACIDADE DE ATENDIMENTO DE DEMANDA
A educação domiciliar não pode ser encarada como economia aos cofres públicos. Sua regulamentação demanda uma estrutura de avaliação e de fiscalização de ambientes domésticos, com difícil capilaridade e alto custo para o Estado. Regulamentar a educação domiciliar demandará provisionar recursos para o custeio da sua operacionalização: acompanhamento de matrículas, aplicação de avaliações externas, contratação de supervisores, além de novas demandas não dimensionadas para conselhos tutelares e escolas. Trata-se de situações não mensuradas nos projetos em debate no Congresso e sequer passíveis de solução dentro da constitucionalidade.