A cultura do ódio e Sartori no alto das pesquisas


Valdete Moreira

No Brasil, o cenário recessivo mundial e o golpe parlamentar de 2016 promovem o avanço de políticas mais pesadas – dentre as que já foram aprovadas a Reforma Trabalhista, outras como a Reforma da Previdência e as contrarreformas do Ensino Médio, EJA e Educação do Campo vêm para consolidar a política de austeridade, de precarização e de retirada de direitos sociais da classe trabalhadora.

Reformas na educação sendo aprovadas em um Congresso conservador que visam, entre outras, criar mordaça para educadores, criminalizando o debate de conteúdos problematizadores numa sociedade plural, multi-étnica-racial-religiosa e com inúmeras demandas de inclusão do ponto de vista social, da individualidade das pessoas e das culturas regionais.

Juntos em cena, um ajuste violento contra o povo, representado por um pacote de medidas que corta direitos adquiridos dos trabalhadores, aumenta os preços administrados pelo Estado, que atingem o custo de vida dos trabalhadores e arrocha o orçamento público e do seguro social para pagar os juros dos agiotas da dívida pública.

Nesse cenário, eis que, no RS, as pesquisas de opinião apontam a possibilidade da fórmula desse mesmo projeto de governo, de choque de gestão e diminuição do Estado, de desmantelamento da educação pública e responsável por colocar na miséria milhares de trabalhadores da educação, voltar a governar. O mesmo projeto que tanto a nível federal como estadual promove o golpe nos direitos. A população do Rio Grande do Sul estaria satisfeita com o governo do PMDB e agora MDB? Como explicar esse possível sentimento, considerando o desastre que é o governo de Temer e José Ivo Sartori?

Desinformação e falta de memória, “pobre que vota errado” ou conservadorismo? Até que ponto isso seria responsável por manter o Rio Grande do Sul estagnado e não permitir qualquer avanço que desafie seus autodeclarados donos?

Desinformação? Pesquisas também mostram que uma parte significativa do eleitorado gaúcho, não tem qualquer informação sobre as ações do atual governo. Nenhuma informação, nem boa, nem ruim. O instrumento de comunicação do governo é limitado e tendencioso para dar conta dessa exigência.

Quando os grandes meios de comunicação privados, como é o caso da RBS, rádio, jornal e TV, são defensores do estado mínimo e adversários ferrenhos do setor público, apoiado pelo atual governo, o fluxo de informação para a população é sempre seletivo e interessado. Isso fica  mais complexo ainda, quando esse grupo midiático passou  a ter parlamentares eleitos saídos de suas próprias fileiras, como é o caso de dois dos principais comentaristas políticos conservadores, Ana Amélia Lemos e Lasier Martins.

O conservadorismo, que ainda lidera certos setores, principalmente no interior do estado prevalecerá? Mais uma vez, o RS andará para trás?

Que RS  é esse que no mesmo território em que é palco de fóruns populares riquíssimos em cultura e diversidade também  aplaude a “política do relho” para desarticular adversários, aprova leis que amordaça professores e agora se encaminha  para reeleger o projeto de governo  mais nefasto para o seu povo?

O RS é um estado que não reelege governador? Ou é tão conservador que só vota em quem conhece?

Os pobres não sabem votar e escolher governos? Penso que os pobres é quem têm mais motivos para saber votar e escolher, afinal é só nas eleições que contam mais que qualquer outro cidadão da classe média ou elite. Só são lembrados nesse período. Nos intervalos mandam às classes dominantes, e essas atrapalham o voto e a vida do pobre. Pobres sabem votar e escolher quando contam como cidadãos em todos os momentos. Simples assim: em todos os momentos.

Para o crescimento de José Ivo Sartori nas pesquisas eleitorais não há respostas prontas e simples.

A tragédia é que as decepções, práticas de conciliação de classes e acomodação de forças, tão ou mais danosas do que a degeneração promovida pelas práticas corruptas e os fracassos governamentais, ativaram um recalque coletivo que conduz a um rebaixamento das expectativas gerais da sociedade com a política. Deixa lastro ideológico para os discursos de ódio que fazem aparecer rebentos de fascismo na classe média ou de fundamentalismos religiosos entre os populares ou de quem simplesmente se desgostou com os inúmeros partidos políticos de parca e pobre ideologia.

O que também pode ser em parte explicado pelo sociólogo Jessé de Souza, no livro “A elite do atraso – Da escravidão à lava-jato”. Segundo Souza, mesmo com críticas aos governos petistas, o estímulo à educação e a ascensão econômica de cerca de 40 milhões de brasileiros desde 2003 são apontados pelo professor, como as causas do ódio de setores da sociedade aos pobres e ao governo do PT, a maioria formados por uma classe média conservadora.

Por que as pessoas odeiam o PT? Não é o partido, é o que ele representa. O seu governo propiciou minimamente a maior ascensão social em um país de mais de 500 anos de escravidão e desigualdade abissal. Essa é a grande questão, é odiado por isso.

Jessé Souza diz que foram mais de dez anos de ódio, ressentimento e medo reprimidos com a ascensão dos pobres. Esse setor da sociedade não gostou nada de ver seus empregados domésticos ou o auxiliar de serviços gerais do trabalho frequentarem os mesmos shoppings ou aeroportos. O golpe permitiu colocar esse sentimento reprimido para fora. A classe média não gostou nada quando os governos petistas começaram a investir em ensino, no fundo essa classe média começou a ter medo, um medo irracional, de perder seu espaço.

Temos hoje uma classe trabalhadora precarizada, próxima dos herdeiros da escravidão e secularmente abandonados. Eles se reproduzem aos trancos e barrancos, formam uma espécie de família desestruturada, sem acesso à educação formal. É majoritariamente negra, mas não só. Aos negros libertos juntaram-se, mais tarde, os migrantes nordestinos. Essa classe desprotegida herda o ódio e o desprezo antes destinados aos escravos. E pode ser identificada pela carência de acesso a serviços e direitos. Sua função na sociedade é vender a energia muscular, como animais. É ao mesmo tempo explorada e odiada.

Como essa herança nunca foi refletida e criticada, continua sob outras máscaras. O ódio aos pobres é tão intenso que qualquer melhora na miséria gera reação violenta, apoiada pela mídia refletindo o mesmo padrão do escravismo. Temos uma elite econômica que compra a mídia, a Justiça, a política, e mantém o povo em um estado permanente de imbecilidade.

Jessé Souza oferece robusta argumentação científica para a sociedade brasileira se repensar e reinterpretar o Brasil de hoje, a partir da triste constatação de que a crise política e a dominação da esfera pública pela elite do atraso colocaram em xeque o princípio mesmo da igualdade social como valor fundamental da democracia. E é nesse contexto que vimos incrédulos o crescimento nas pesquisas eleitorais de projetos que concordam com a pauta econômica entreguista e de retirada de direitos das camadas mais pobres da população.

Triste escolha que não se soluciona nem com saídas de tipo “do mal o menor” e menos ainda com abstinência ou votos brancos e nulos, pelo simples fato de corrermos o risco de toda a indignação coletiva da classe trabalhadora contra o golpe ser jogada no lixo nessa eleição que promete ser histórica.

Essa luta não pode ser capturada por um só partido ou domesticada por uma só legenda, a luta é tarefa de classe. Isso significa respeitar todas as bandeiras que defendem a dignidade do ser humano num projeto democrático, unindo diferentes forças por pautas em comum. Para derrotar a força do capital só a unidade, solidariedade e fraternidade entre os trabalhadores, mulheres e homens.

Valdete Moreira é professora da rede pública estadual e municipal de Cachoeirinha e Dirigente Estadual do CPERS/Sindicato.

 

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