Em audiência pública na Assembleia Legislativa, ex-prefeitos de Porto Alegre criticam falta de diálogo e políticas de Marchezan


Digam o que quiserem do prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior (PSDB), mas ele já conseguiu uma proeza: reunir em uma audiência pública três ex-prefeitos e um ex-vice-prefeito da cidade, de partidos adversários entre si na histórica recente da política gaúcha, para criticar as políticas que vêm sendo aplicadas pela atual administração.

João Dib (PP), último prefeito de Porto Alegre indicado pela ditadura e vereador durante dez legislaturas, Olívio Dutra (PT), José Fortunati (PDT) e Sebastião Melo (PMDB) participaram da audiência pública convocada pela Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa gaúcha, por iniciativa do deputado Adão Villaverde (PT), para debater os impactos das políticas municipais implementadas em Porto Alegre.

No início da audiência, o deputado Adão Villaverde informou que convidou o atual prefeito da capital para participar do debate. Na tarde desta segunda, disse o parlamentar, Marchezan enviou um e-mail dizendo que não poderia participar pois estava em Brasília para uma “viagem de interesse do município”.

O vice-prefeito Gustavo Paim (PP) também foi convidado, mas telefonou para Villaverde dizendo que também não poderia participar da audiência pública na Assembleia.

Se Marchezan ou Paim tivessem aceito o convite, teriam ouvido de Dib, Fortunati, Olívio e Melo críticas à falta de diálogo e de transparência na condução dos assuntos do município, bem como a propostas como a privatização dos serviços de água e esgoto de Porto Alegre.

O diretor do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Jonas Reis, fez um resumo dos primeiros sete meses de governo Marchezan, apontando aqueles que considera alguns dos principais problemas da atual administração. “A gestão Marchezan não começou no dia 1º de janeiro. Ainda em dezembro de 2016, ela interferiu no governo Fortunati se colocando contra o pagamento do décimo-terceiro salário aos servidores municipais.”

“Nos dois primeiros de governo, anunciou que faria uma reestruturação na Prefeitura, que se resumiu a uma junção de secretarias sem a prometida, durante a campanha eleitoral, redução de CCs. Agora, em julho em pleno recesso, enviou um pacote à Câmara de Vereadores, propondo o fim da universalidade da meia passagem escolar, o fim da gratuidade da segunda passagem para quem pega mais de um ônibus em um intervalo de 30 minutos e o fim da isenção de passagem para pessoas de 60 a 64 anos”, destacou Jonas.

O diretor do Simpa criticou ainda as propostas de privatização dos serviços de água e saneamento na cidade, a intenção de privatizar a Carris, o desmonte do Orçamento Participativo e das políticas de assistência social, a mudança do regime de trabalho dos professores e a entrega da administração do município para consultorias.

O ex-prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, disse que ao longo dos últimos sete meses procurou não se manifestar sobre a política municipal por entender que “é preciso respeitar o processo democrático da cidade”. “Mantive-me à parte em respeito ao governo que assumiu. Resolvi estar presente aqui hoje porque não posso admitir que dados equivocados e mentirosos sejam usados para justificar a tomada de certas medidas”, afirmou.

Fortunati questionou a “herança maldita” que Marchezan diz ter recebido, citando os índices Firjan de responsabilidade fiscal recebidos pela Prefeitura nos anos de 2014, 2015 e 2016. “Em 2014, Porto Alegre teve nota A e, em 2015 e 2016 teve nota B, lembrando que, das 4.544 prefeituras que apresentaram os dados de suas contas, apenas 13 pequenas prefeituras tiveram nota A em 2016 e só 13% tiveram nota B, Porto Alegre entre elas. 86% das prefeituras foram reprovadas. Não desconhecemos as dificuldades, mas Marchezan usa algo nocivo, a falta de transparência e de participação, para justificar as suas medidas”.

Fortunati disse ainda que a Prefeitura não fornece, desde dezembro de 2016, dados sobre os gastos do municípios. “Ao esconder os dados, Marchezan usa os números que lhe parecem adequados de um modo distorcido. Ele fala, fala e fala, mas não mostra os dados. Isso sinaliza, não a visão de um gestor, mas sim a de um presidente de partido. Ele vem se comportando como o presidente de um partido e não como gestor da cidade. Enquanto isso, quem anda pela cidade, vê um sucateamento das políticas sociais e o desmonte de todas as formas de participação popular”, acrescentou.

João Dib abriu sua intervenção, definindo-se como um servidor público “por formação, vocação e convicção”. “Não cheguei à Prefeitura porque não tinha o que fazer e hoje estou aqui na condição de servidor”. O ex-prefeito classificou como um “equívoco muito grande” a tentativa de Marchezan intervir no governo Fortunati, em dezembro de 2016, no tema do pagamento do décimo-terceiro salário.

“A administração continua, é só o prefeito que muda”, lembrou. Para Dib, o grande prefeito de Porto Alegre foi José Loureiro da Silva, que recebeu a prefeitura com quatro meses de salários atrasados e nunca se queixou disso. “No final do primeiro ano de governo estava com os salários em dia e as contas pagas. O indivíduo que vai assumir um governo tem a obrigação de saber o que vai encontrar. Não adianta ficar reclamando, tem que buscar soluções”, frisou.

Dib também criticou a proposta de privatização dos serviços de água e esgoto do município. “Me senti magoado com essa proposta, pelo trabalho de 54 anos do Dmae, o qual dirigi por duas vezes. O Dmae é hoje uma das raras autarquias superavitárias do país”. O ex-líder do governo Fortunati na Câmara de Vereadores encerrou sua fala, lembrando um conselho que um guru indiano deu certa vez a um milionário norte-americano que foi conversar com ele. “Simplifica, meu filho, simplifica”, disse Dib, estendendo a recomendação a Nelson Marchezan Júnior.

Ex-prefeito da capital e ex-governador do Estado, Olívio Dutra lembrou a diversidade que marca a história do município. “Porto Alegre é uma cidade que tem uma história muito rica, que se desenvolveu em um território que era habitado por povos indígenas muito antes da chegada dos açorianos”.

Olívio também citou a presença do povo negro como elemento constitutivo da formação da cidade. “Porto Alegre tem a marca de uma cidade plural e diversificada. Temos populações desgarradas de suas origens e saudosas delas. Não é uma cidade onde possa prevalecer um pensamento único em detrimento dos demais”.

O ex-governador lembrou que foi o primeiro prefeito após o processo constituinte de 1988 e que assumiu após o governo de Alceu Colares (PDT), primeiro prefeito eleito após a ditadura e que teve apenas três anos para governar. “Collares enfrentou problemas terríveis. Nós assumimos a prefeitura com muitos problemas, mas não ficamos nos queixando. Fomos para a rua debater com a população da cidade os problemas”. O ex-prefeito também criticou a proposta de privatização da água e do saneamento, defendendo que “o Dmae é uma política de Estado e não de governo”.

Repetindo o que disse Fortunati, o ex-vice prefeito Sebastião Melo, candidato derrotado no segundo turno das eleições municipais de 2016, disse que a partir do dia 1º de janeiro voltou ao exercício da advocacia e não quis ficar dando opinião sobre a atual administração. Na audiência pública, porém, Melo criticou a conduta que vem sendo adotada por Marchezan na Prefeitura.

“A população elege um governante para buscar soluções e não para ficar procurando culpados. Fica feio para ele dizer que não conhecia os problemas de Porto Alegre. O Marchezan tem uma lógica que lembra um personagem antigo da TV brasileira, o Nelson Rubens: ele não inventa, mas aumenta muito”, destacou.

Sebastião Melo também criticou a falta de diálogo da atual administração. “Governar uma cidade com muito dialogo é muito difícil, mas governar sem diálogo é impossível, ainda mais em uma cidade onde quem ganhou a eleição foi o voto nulo e branco”. Na opinião do ex-vice-prefeito, essa postura de Marchezan tem um duplo objetivo: uma justificativa para não cumprir as falsas expectativas criadas na campanha eleitoral e para retirar direitos da população. Na mesma linha dos ex-prefeitos, Melo criticou a proposta de privatização do Dmae.

“Qual é a capital brasileira que tem a capacidade instalada para tratar 80% de esgoto e capacidade de 100% de abastecimento de água? A tarifa social, que hoje é de 13 reais, vai passar para quanto em caso de privatização? 40 ou 50 reais?” – questionou.

Representando a Câmara dos Deputados, Henrique Fontana (PT) disse que a pluralidade expressa na mesa da audiência pública representava um “alerta democrático” ao prefeito Marchezan. “Governar é um ato complexo, que exige muito diálogo”, assinalou.

Na mesma linha, a deputada estadual Manuela D’Ávila (PCdoB) lembrou que seu antigo colega de Câmara de Vereadores de Porto Alegre, João Dib, costumava dizer que “toda ação tem uma reação”.

A composição da mesa com representantes de partidos adversários entre si na vida política recente de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul é resultado direto da conduta que vem sendo adotada por Marchezan na prefeitura, destacou Manuela.

 

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